Título: Dólar em queda aprofunda deflação
Autor: Luiz Sérgio Guimarães
Fonte: Valor Econômico, 22/06/2005, Finanças, p. C2

Indicadores econômicos divulgados ontem sugerem ao Copom do Banco Central iniciar logo em julho o ciclo de queda da taxa Selic. Foram eles: 1) A segunda prévia de junho do IGP-M mostrou deflação de 0,38%. E não foram somente os preços no atacado que derrubaram o índice. O IPC-M recuou de 0,82% em maio para 0,05% este mês. A apreciação cambial está chegando ao varejo. É a política do BC de deliberada valorização do real a maior responsável pela queda da inflação. O aperto monetário é um mero coadjuvante pernicioso, pois agrava a dívida pública. 2) O setor externo persiste exibindo excelente desempenho. As transações correntes registraram em maio o sexto saldo positivo em seqüência, acumulando no ano US$ 4,0 bilhões. 3) Instituições americanas de peso e respeito, como a Pimco, projetam apenas mais duas altas dos juros americanos. Os fed funds subiriam para 3,25% na reunião do Federal Reserve (Fed) marcada para o dia 30 e depois para 3,50% em agosto. E parariam por aí. Ou seja, vai continuar entrando muito dólar na economia brasileira. E a cotação da moeda prosseguirá em baixa, dispensando o juro alto. O dólar tinha tudo ontem - além da percepção de que a crise política irá se resumir doravante a ataques entre partidos, sem atingir o Palácio do Planalto - para cair. Fechou a R$ 2,3740, baixa de 0,84%. Irá buscar hoje os R$ 2,36. Os mesmos fatores que derrubaram o dólar deveriam ter produzido baixa significativa nos juros futuros. Mas as quedas só ocorreram nos contratos mais longos, a partir de abril do ano que vem, negociados no mercado futuro da BM&F. O contrato para janeiro de 2007 caiu de 17,74% para 17,61%. Mas os mais curtos ficaram estáveis. De agosto a janeiro de 2006, as projeções não se mexeram. De qualquer forma, a curva é de baixa: 19,75% para agosto, 19,71% para setembro, 19,68% para outubro e 19,23% para janeiro. Para o DI futuro, o BC persistirá irredutível em sua ortodoxia monetária. A Selic só deve começar a cair em setembro. Nenhum cérebro privilegiado do mercado se deu ao trabalho de contrapor argumentos à proposta do deputado Delfim Netto de zeragem do déficit público nominal. Não há que desperdiçar tempo precioso: como todas as outras teses destinadas a minar o neoliberalismo à brasileira, esta também será arquivada. O déficit zero, definido como "interessante" pelo presidente Lula e abraçado com entusiasmo pelo ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, mereceu o silêncio crítico do ministro da Fazenda, Antonio Palocci, e já foi torpedeado por "técnicos" da Fazenda. Do Banco Central, cuja operação de poder sempre se dá nos bastidores, silêncio monástico, mas nada obsequioso.

Política monetária se submete a esforço fiscal

A proposta é antineoliberal? Mas como isso é possível se o que se propõe é a radicalização de um dos dogmas da escola novo clássica, o megassuperávit fiscal? Não é bem assim. O totem do superávit primário não significa outra coisa além de arrumar dinheiro do jeito que for - compressão de gastos sociais e aumento da carga tributária - para bancar as extravagâncias monetárias do BC. O Copom pode, sem problema, jogar o juro real para a intolerável faixa de 13%, pois sempre haverá um superávit primário para honrar a dívida, tranqüilizando os credores. Déficit nominal zero não tem nada a ver com essa ciranda de transferência de renda da sociedade para os bancos. A idéia é que o governo restrinja os gastos correntes (não os sociais ou de investimento) como parte dos esforços para o cumprimento de uma meta de zeragem do déficit nominal. Ao mesmo tempo, seria elevado o grau de competição da economia brasileira. A meta do déficit zero seria a principal do governo, a de inflação teria de se submeter a ela. Aí está todo o problema. Sinalizado o déficit decrescente ao longo do tempo até ser inteiramente zerado em, digamos, 2009, os juros nominais e reais começam a cair. Justamente porque os juros altos são incompatíveis com uma meta de déficit zero. A política monetária do autônomo BC estaria subjugada e a serviço da política fiscal. Nada pior para o neoliberalismo do que isso. O BC não mais teria a independência de desfechar um aperto monetário contra a inflação. Não pode subir o juro já que a ampliação do gasto com a rolagem da dívida pública sabota a meta do déficit zero. Se o plano der certo, não haverá inflação a combater com juro alto, já que os choques, tanto de oferta quanto de demanda, seriam combatidos por meio da abertura competitiva das importações. Mas isto é apenas um detalhe: o importante é boicotar qualquer idéia que promova a queda do juro e retire poder do BC. O importante é manter a credibilidade do governo junto ao mercado, nem que, para tanto, seja preciso pagar um "mensalão" a ele, os juros da dívida interna. Se a Selic cair porque não há demanda inflacionária pública, não existe razão para se temer resistência dos bancos em financiar a rolagem da dívida, uma das principais justificativas para a sustentação de juros reais altíssimos. É claro que o argumento essencial contra o plano do déficit zero é bem outro, o de que inibirá gastos sociais. Se inibir gastos com juros, no médio prazo vão sobrar toneladas de recursos para o social.