Título: Liberdade à custa da contradição
Autor: Bernardes, Adriana
Fonte: Correio Braziliense, 13/04/2010, Cidades, p. 28

CRIME EM LUZIÂNIA

Preso em 2005 por abusar de duas crianças no DF, O pedreiro conseguiu a progressão para o regime aberto em dezembro de 2009. Laudos discordantes embasaram decisão da Justiça

Um ano e sete meses antes de conquistar a liberdade pelas mãos da Justiça, o pedreiro Adimar Jesus da Silva, 40 anos, passou por um exame criminológico. O resultado é revelador. O laudo detectou indícios sérios que favorecem a prática de delitos sexuais. Sinais de sadismo, uma perversão sexual em que a busca de prazer se efetua através do sofrimento do outro. Sinais de transtornos psicopatológicos também se fizeram presentes.

O laudo é assinado por três psicólogos do Centro de Observação da Subsecretaria do Sistema Penitenciário do Distrito Federal. E foi feito a pedido da Vara de Execuções Penais do Tribunal de Justiça do DF. Na época não foi requisitado, nem os profissionais opinaram sobre a progressão de regime ou se o preso estava apto para o convívio fora dos muros da prisão. Exatamente um ano depois, um relatório que subsidiou a progressão da pena descreveu o mesmo homem de maneira completamente diferente: polido, coerente e sem sinais de doença mental.

O novo homem aparece retratado no item 6 da nota divulgada ontem pela Vara de Execuções Penais (VEP). Segundo o documento (veja íntegra da nota no site www.correiobraziliense.com.br), antes de autorizar as saídas quinzenais de Adimar Jesus da Silva, em 31 de agosto de 2009 (veja cronologia do processo), levaram-se em conta dois relatórios anexados aos autos, um psicológico e outro psiquiátrico, datados de 11 e 18 de maio de 2009. O primeiro dava conta de que Adimar Jesus da Silva fora atendido outras duas vezes por psicólogo na penitenciária, bem como sempre se apresentou com polidez e coerência de pensamento e demonstrou crítica acerca dos comportamentos a ele atribuídos.

O relatório psiquiátrico, segundo nota da VEP, informava que (Adimar) não demonstra possuir doença mental, nem necessitar de medicação controlada e que a continuidade de atendimento psicológico fica condicionada à avaliação de tal necessidade por parte do psicólogo do sistema prisional. A nota não informa a autoria dos relatórios que subsidiaram a decisão do juiz. A assessoria de imprensa do Tribunal de Justiça explicou que seria preciso averiguar no processo, mas este já estaria com o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios. O MP, por sua vez, garante que os autos foram pedidos, mas continuariam em poder da VEP.

Antes de colocar Adimar Jesus da Silva nas ruas, a VEP recebeu parecer do Ministério Público. O Correio tentou ouvir o promotor que relatou o caso, mas a assessoria de imprensa informou que ninguém se pronunciaria a respeito. Também não indicou quem foi o promotor que opinou no processo de Adimar.

Contradição A pedido do Correio, a psicóloga Sonia Prado, especialista em violência sexual, avaliou a possibilidade de dois pareceres tão diferentes num intervalo de tempo tão curto. Sonia Prado afirmou que, apesar da habilidade de manipulação por parte de psicopatas, não é possível haver dois laudos médicos com conclusões tão diferentes. Acho pouco provável que o segundo examinador tenha tido acesso ao primeiro laudo, ou mesmo feito uma investigação sobre o histórico do paciente. A psicóloga explica que o conhecimento da primeira análise levaria o profissional a procurar uma terceira opinião ou estudar mais a fundo o quadro do paciente. Ele tomaria mais cuidado, especialmente com um paciente com diagnóstico de pedofilia, acrescenta.

Sonia Prado explicou ainda que existem dois tipos de pedófilo: o abusador, que tem consciência do crime e sofre após ter relações com menores, e o molestador, categoria na qual se enquadraria Adimar Jesus. Além de cometer a pedofilia, o molestador tem traços de perversidade, não mostra arrependimento. Geralmente, são esses que se envolvem em crimes em série, explica.

Respondendo às críticas por ter colocado em liberdade o homem que viria a confessar o assassinato de seis jovens, segundo a Polícia Civil de Goiás, a VEP afirmou em nota não ter praticado nenhuma ilegalidade. Ao contrário, verifica-se no presente caso a adoção das cautelas necessárias, mas, infelizmente, não há como antever que certos condenados agraciados com benefícios externos ou com a progressão para o regime menos rigoroso cometerão atos tão graves como os noticiados recentemente pela mídia, diz o texto. A VEP destaca ainda que a atitude do sentenciado não deve resultar em prejuízo para as centenas de condenados que cumprem regularmente a sua punição.

Adimar Jesus da Silva foi preso em flagrante em 2 de novembro de 2005 e acabou condenado a 15 anos de reclusão. Recorreu da sentença e conseguiu, por maioria de votos, a redução da pena para 10 anos e 10 meses. O pedreiro foi avaliado em pelo menos quatro vezes, uma em 2006, duas em 2008 e uma em 2009. Em todas elas, obteve o conceito de bom comportamento. Enquanto esteve preso, Adimar recebeu as visitas da mãe, de duas irmãs e um irmão e de dois sobrinhos.

Além de cometer a pedofilia, o molestador tem traços de perversidade, não mostra arrependimento

Sonia Prado, psicóloga

Colaborou Ariadne Sakkis

Progressão Penal

A Lei de Execuções Penais (LEP) (Lei 7.210 de 11 de julho de 1984) estabelece as regras para reduzir a pena de um condenado. Cabe ao juiz da vara de execução penal decidir sobre a transferência do regime mais rigoroso para o menos rigoroso. Para ganhar esse benefício, o preso precisa cumprir alguns critérios. Ter bom comportamento carcerário, ter feitos trabalhos no presídio e ter cumprido 40% da pena, em caso de réu primário, ou 60% para reincidentes, são fatores levados em consideração pelo juiz para conceder o regime semi-aberto, prisão domiciliar ou regime aberto a um detento. Veja abaixo o que diz a lei e suas alterações:

A regressão da pena pode ser dada se o preso tiver cumprido ao menos 1/6 da pena no regime anterior e ter tido bom comportamento carcerário, comprovado pelo diretor da penitenciária. Em caso de crime hediondo, cometido depois de 29 de março de 2009, o reú primário deve cumprir 2/5 e o reincidente 3/5 da pena.

Não é mais exigido exame criminológico e parecer técnico para fundamentar a mudança de regime de um preso. A alteração no texto original da LEP consta na Lei 10.792, de 2003.

A decisão do juiz de reduzir a pena precisa ser acompanhada de manifestação do Ministério Público e da Defensoria Pública.

Só ingressa no regime aberto o condenado que estiver trabalhando no presídio, apresentar, pelos seus antecedentes ou pelo resultado dos exames a que foi submetido, indícios de que irá ajustar-se, com autodisciplina e senso de responsabilidade, ao novo regime.

O preso que trabalhar poderá diminuir o tempo de pena. A cada três dias trabalhados, é reduzido um dia.

O juiz poderá estabelecer condições especiais para a concessão de regime aberto. Determinar horário para voltar para casa, limitar a saída da cidade à concessão de autorização judicial e comparecer a vara para prestar contas são algumas das concessões previstas em lei.

Defensor conseguiu redução

Em entrevista exclusiva ao Correio, o defensor de Adimar Jesus da Silva no caso em que foi acusado e condenado por abusar sexualmente de dois menores de idade em 2005, afirmou que os familiares do pedreiro nunca acreditaram que ele tivesse molestado as crianças. Ele sempre se mostrou muito seguro e sempre negou os crimes. Parecia uma pessoa tranquila e equilibrada, de família, lembra o advogado Eurípedes Freitas.

Quando da condenação de Adimar em 1ª instância quando foi condenado a 15 anos , o advogado recorreu da decisão e, em 2008, conseguiu a revisão da pena para 10 anos e 10 meses de detenção. Ele conta que acabou não sendo pago pelos serviços. A família não teve condições de honrar os honorários. Acabei me compadecendo com os parentes, que são muito queridos e honrados. Freitas disse que ficou chocado ao saber que o antigo cliente é o responsável pelos assassinatos dos garotos de Luziânia.

Ministro da Justiça quer revisão da lei

Edson Luiz

Depois do assassinato de seis jovens em Luziânia por um ex-presidiário beneficiado pelo regime de progressão de pena, o governo federal está estudando aprimorar a Lei de Execuções Penais para controlar os detentos que ganham liberdade e que necessitem de acompanhamento psicossocial. Ontem, o ministro da Justiça, Luiz Paulo Barreto, afirmou que não é necessário modificar a legislação, mas aprimorá-la. A mesma atitude deverá ser tomada no Legislativo, uma vez que parlamentares se movimentam para evitar novos casos como o do pedreiro Adimar de Jesus Silva, 40 anos, que confessou ter matado os rapazes sete dias depois de deixar a cadeia.

A primeira impressão que temos é que faltam procedimentos para melhorar o controle dessas pessoas, afirmou Barreto ao Correio. Segundo ele, uma equipe técnica do Ministério da Justiça começou a fazer um estudo para verificar os pontos falhos da legislação, principalmente no tocante a medidas preventivas. O que aconteceu foi uma falha na proteção social, disse o ministro, que já havia criticado a falta de acompanhamento psicossocial de Adimar, que levou o pedreiro a matar os seis rapazes.

A Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados também deve apresentar, ainda esta semana, uma proposta para obrigar a Justiça e o Poder Executivo a controlar os presos condenador por crimes hediondos que tenham direito a progressão de pena e estejam livres. Segundo o deputado Pedro Wilson (PT-GO), que acompanha o caso representando a comissão, mesmo que o detento tenha direito à liberdade é necessário que ele seja monitorado pelo Estado.

Estamos à descoberto de medidas que mantenham um preso sob controle, afirmou Pedro Wilson, explicando que é necessário uma reavaliação da atual legislação de execuções penais para evitar que ex-presidiários pratique novos crimes.Temos que rever os procedimentos, disse o parlamentar, que defendeu também outras medidas para que o ex-detento seja socialmente reinserido e não volte a cometer delitos, já que, segundo Pedro Wilson, não há processo de ressocialização no país.

O deputado também reclamou do tempo que a Polícia Civil de Goiás, com auxílio da Polícia Federal, levou para desvendar o crime, permitindo que o criminoso agisse com tranquilidade. Ele só parou de matar quando os casos começaram a aparecer, afirmou Pedro Wilson. Se tudo fosse esquecido, ele voltaria e mataria mais. Fiquei perplexo pelo fato de que o celular que estava com ele de uma das vítimas só ter começou a ser monitorado muito depois, acrescentou.