Título: As CPIs em dois tempos históricos
Autor: Raymundo Costa
Fonte: Valor Econômico, 28/06/2005, Política, p. A5

Um estudo sobre o funcionamento de CPIs (Comissão Parlamentar de Inquérito) em dois período democráticos, de 1946 a 1964 e de 1988 a 1999, é sugestivo sobre as possibilidades de o presidente Lula retomar o controle político sobre a crise, de vez que mantém os instrumentos institucionais a seu dispor, se tiver sucesso na recomposição da coalizão de apoio ao governo no Congresso. De 1946 a 1999 (incluindo o regime militar), a pesquisadora do Cebrap e professora associada do Iuperj (Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro, Argelina Figueiredo, contabilizou 392 propostas de criação de CPI na Câmara. Dessas, 303 (77%) foram instaladas e 207 efetivamente concluídas. Um total de 89 (23%) nem sequer foi instalada. A pesquisadora compara os períodos democráticos de 1946 e do pós-88 "para mostrar que a concentração de poder institucional nas mãos do presidente e dos líderes dos partidos, e a conseqüente centralização do processo decisório, explicam as diferenças entre esses dois períodos, tanto em termos de incidência de CPIs, como nos resultados daquelas instaladas pela Câmara". Nesse meio século, as maiores médias mensais de CPIs ocorrem nos dois períodos democráticos: 0,77% entre 1946 e 1964 e 0,66% entre 1988 e 1999. Houve um aumento significativo de propostas em dois períodos do regime militar: nos meses que antecederam à promulgação do AI-5 e no início da abertura política patrocinada pelo presidente Ernesto Geisel (durante os anos de chumbo de Emílio Garrastazu Médici apenas uma CPI foi proposta). Argelina ressalta que a Constituição de 88 manteve as regras estabelecidas pela de 1946 para a criação de CPIs e reforçou a capacidade de o Congresso iniciar investigações. Em contrapartida, aumentou a capacidade de controle do governo - presidente e líderes - sobre os parlamentares da coalizão governista ao atribuir poder legislativo ao Executivo e direitos e recursos aos líderes partidários.

"PMDB tem tradição e lastro popular"

Nos dois períodos, a maioria dos governos formou coalizões partidárias e a parcela dos partidos aliados, em geral, foi maior que a da legenda do presidente. "Há variação dentro de cada período democrático, mas, na média, os partidos aliados tiveram um percentual similar de cadeiras - 48,5% e 47,5%, respectivamente", explica a pesquisadora. Já a representação média do partido do presidente foi maior no primeiro período (27%) do que no segundo (12%). Essas coalizões foram compostas por partidos "com diferenças ideológicas e eleitorados distintos", de origens rurais e urbanas como PSDB e PTB, no período até 1964, e PFL e PSDB, até 1999. Mas tanto em termos de CPIs propostas, como em termos de resultado das investigações, os dois períodos divergem. No primeiro, as taxas são altas, não importando que partidos propuseram as CPIs. Os integrantes do partido do presidente concluíram 73% das CPIs propostas, os de partidos aliados, 50%; e os partidos de fora do governo, 59%. Já no segundo período, as siglas de fora do governo apresentaram taxa de conclusão maior (21%) em relação aos situacionistas (18%), sendo que nenhuma CPI proposta por integrantes do partido do governo concluiu suas investigações. Isso ocorreu por causa do maior poder de controle governo-líderes. Em 1999, por exemplo, quatro CPIs governistas requeridas anos antes foram instaladas, sem funcionar de fato, só para impedir a criação de outras duas indesejadas pelo Planalto (há limite para o número de CPIs em funcionamento na Câmara). Por outro lado, as investigações concluídas pela oposição não sofriam resistência governista por não envolver diretamente agências do governo - causas da fome, chacina de crianças de rua, violência em áreas rurais. Conclusão de Argelina Figueiredo: "Um governo de coalizão com mecanismos institucionais capazes de superar a dissenção interna entre seus membros tem maior capacidade para evitar ou controlar as ações de fiscalização do Congresso". Ela admite que muito da crise está na incompetência política do governo, de vez que Lula mantém os instrumentos institucionais para o exercício do poder. Mas precisa rever o tamanho e as diferenças ideológicas da coalizão e estabelecer pontes mais efetivas com seu indisciplinado partido, o PT. A aliança com o PMDB pode ser a saída. "O PMDB pode ser o que for, mas tem tradição e lastro popular".