Título: Empresários revelam interesses em disputa
Autor: Henrique Gomes Batista
Fonte: Valor Econômico, 24/06/2005, Política, p. A5

Crise CPI dos Correios toma depoimento do empresário responsável pela gravação da propina de Marinho

Os dois depoimentos de ontem da CPI dos Correios aumentaram ainda mais as contradições do caso e levaram oposição e governo a se convencerem de que as denúncias de corrupção dentro da estatal não são apenas uma disputa comercial, há conteúdo político envolvido. "Não sei se esse esquema era apenas para pegar Maurício Marinho (ex-diretor de compras dos Correios) por problemas comerciais ou se na verdade isso tudo faz parte de um grande esquemão", afirmou o presidente da CPI, senador Delcídio Amaral (PT-MS). "Há uma hipótese muito forte que todos estes empresários e arapongas estavam sendo utilizados por um esquema muito maior", afirmou o relator da CPI, Osmar Serraglio (PMDB-PR). No primeiro depoimento de ontem, Arthur Waschek Neto, um dos sócios da Comercial Alvorada de Manufaturados (Coman), confirmou que mandou fazer a gravação em que o ex-chefe do Departamento de Compras da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, Maurício Marinho, é flagrado recebendo propina de R$ 3 mil. O empresário disse que resolveu tomar a atitude porque sua empresa começou a ser prejudicada, perdendo licitações para os Correios, e por notar que "havia algo errado" naquela instituição. Segundo o empresário, os problemas começaram quando sua empresa foi contratada para fornecer cofres aos Correios, em um contrato de R$ 5 milhões. Por atraso de entrega, foi multado no patamar máximo previsto no contrato, 20%, ou seja, R$ 1 milhão. "Acho que a multa é merecida, mas a dose foi exagerada. Outras empresas também tiveram problemas e não foram punidas desta forma, recorremos da multa por quatro vezes e nada aconteceu", disse. Ele citou o caso da Protelyne, que tinha uma multa de R$ 800 mil mas que foi perdoada administrativamente. "O dono desta empresa diz que é ligado ao governador do Rio Grande do Sul, Germano Rigotto", afirmou. Waschek disse ainda que a situação piorou quando teve de fornecer assistência técnica aos cofres, que muitas vezes tinham problemas devido à má conservação. "Somente de visitas desnecessárias gastamos R$ 320 mil, estamos cobrando este valor dos Correios há um ano e nunca obtivemos resposta de Marinho", disse. Ele confirmou que fez a gravação apenas para que Marinho caísse. "Antônio Ozório (Batista, ex-diretor de administração dos Correios) certamente o demitiria se soubesse como ele trabalhava", disse. O empresário disse que nunca recebeu pedido de propina de Marinho, mas confirma que sabia de casos de corrupção. "O Departamento de Compras é mais importante para as licitações que a definição dos editais, lá se administram os contratos, pode-se definir multas, aceitação de materiais mais baratos, prorrogar contratos", disse. Ele confirmou que contratou Jairo Martins e Joel Santos Filho para fazer a gravação clandestina para incriminar Marinho. "Conheci Jairo quando ele foi fazer um serviço de varredura (de grampos telefônicos) na minha empresa) e paguei R$ 10 mil para que ele fizesse a gravação", disse. O empresário disse que Joel foi quem vazou a gravação à revista "Veja", que denunciou todo o esquema. À tarde, contudo, Antônio Velasco, sócio de Waschek na Comam e em outras três empresas, deu um depoimento em que prejudicou a tese de seu sócio de que todo o esquema envolvia apenas disputas comerciais. "Waschek emprestou R$ 27 mil a Arlindo Gerardo Molina Gonçalves, o chamado "comandante Molina", há cerca de um mês", afirmou. Molina foi quem levou a gravação da propina ao deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ). Em seu depoimento, Waschek afirmou que era amigo de Molina, mas que não sabia exatamente o que ele fazia. "Nunca tive relações comerciais com ele", disse. "Foi o depoimento mais curto mas o mais esclarecedor até o momento", afirmou o presidente da CPI. Para Delcídio, ficou claro que Velasco é inocente em uma história complicada. "Você está como aquela música: entrou de gaiato num navio", disse o senador ao empresário. O deputado José Eduardo Cardozo (PT-SP) identificou o envolvimento de Roberto Jefferson em todo o esquema de corrupção. O vice-líder do PSDB na Câmara, Eduardo Paes (RJ) disse estar claro "que se trata de disputa entre duas quadrilhas por espaço. Resta saber quem são as pessoas da outra quadrilha". Roberto Jefferson será ouvido na próxima semana, apesar das manobras do PT para retardar esta convocação.