Título: Dinheiro Viajado
Autor: Daniele Camba
Fonte: Valor Econômico, 22/10/2004, Eu & Investimentos, p. D-1

O dólar depreciado frente ao real este ano, ou no mínimo estável, é mais uma oportunidade para os investidores brasileiros endinheirados aplicarem parte dos seus recursos em terra estrangeira. O mercado externo é o caminho certo de uma grande parte dos brasileiros de alta renda que buscam diversificar suas aplicações, mas principalmente proteger esse dinheiro de turbulências políticas e econômicas que o Brasil possa enfrentar, como por exemplo, um confisco. "Muito mais do que fazer render esse dinheiro, esses brasileiros querem preservá-lo", diz o advogado Roberto Justo, sócio do escritório Choaib Paiva Monteiro da Silva e Justo Advogados. Em troca desse sossego estão dispostos a ter ganhos menores daqueles que conseguem ficando aqui. Ele estima que 80% dos clientes da área private dos bancos tem dinheiro entre 10% e 20% do patrimônio no exterior. Isso representa entre R$ 4,2 bilhões e R$ 8,3 bilhões do total de R$ 52,099 bilhões na área private dos bancos, segundo dados de setembro, da Associação Nacional dos Bancos de Investimento (Anbid). Há duas categorias de brasileiros que investem no exterior. A primeira, dos de alta renda, que aplicam por intermédio da área private dos bancos, com o objetivo de proteger o dinheiro. A outra é dos investidores que já se aventuraram no mercado acionário brasileiro e agora, munidos de mais conhecimento, querem alçar vôos mais altos nas bolsas americanas. Para esses últimos, os bancos costumam dificultar muito o acesso. Um investidor, que prefere não ser identificado, lembra que demorou quase um ano para conseguir mandar os recursos para operar nos EUA por um banco estrangeiro bastante atuante no Brasil. A saída é contactar diretamente uma corretora estrangeira, que aceita aplicações a partir de US$ 50 mil, ou pedir ajuda às consultorias. A Global Invest, por exemplo, presta esse tipo de assessoria a 20 clientes com patrimônio acima de R$ 1 milhão. Ela oferece cinco modelos de carteiras diferentes que vão de conservador, com a aplicação apenas em títulos de renda fixa e que busca retorno de 4% ao ano em dólar, até a mais agressiva, que aplica em títulos de renda fixa, fundos off-shore, ações e moedas, e tem meta de 15% ao ano em dólar. "Sempre recomendamos os perfis mais moderados", diz Sérgio Damiani, sócio da Global. O dólar barato é apenas uma das variáveis que devem ser analisadas antes da decisão de levar o dinheiro para o mercado externo. A outra é comparar o retorno dos ativos no Brasil e no exterior. Com as altas taxas de juros do país, endossadas pelo último aumento de meio ponto da Selic, o vento está a favor das aplicações nacionais. "O custo de oportunidade do Brasil ainda é imbatível, principalmente na renda fixa, tornando a aplicação no exterior pouco atraente", diz Damiani. Uma comparação entre as taxas básicas do Brasil, em 16,75% ao ano, e a americana, em 1,75% ao ano, ilustra a enorme diferença. Mesmo os títulos mais longos do governo americano, que pagam um pouco mais, oferecem retornos muito menores. Os papéis de um ano pagam juros na casa dos 2% ao ano; os de dez anos cerca de 4%; e os mais longos, de 30 anos, algo como 4,8% ao ano. Por mais contraditório que pareça à primeira vista, cresce o volume enviado ao exterior pelos brasileiros. Segundo os últimos dados do Banco Central (BC), o ano passado havia US$ 82,692 bilhões de capitais brasileiros no exterior, um crescimento de 14% comparado com os US$ 72,325 bilhões em 2002. O número inclui todos que possuem mais de US$ 100 mil no exterior.

Cerca de 80% dos investidores de private bank mantêm entre 10% e 20% do patrimônio no exterior

Nesse volume estão as aplicações no mercado financeiro, no item "investimento em carteira", e os investimentos de companhias em outras empresas como "investimento direto". Em 2003, os investimentos em carteira foram de US$ 5,946 bilhões, um crescimento de 33,6% frente aos US$ 4,449 bilhões em 2002. Dentro dos investimentos, o maior grupo é a compra de títulos de dívida de empresas brasileiras emitidos no exterior, como bônus, notes e commercial papers, ou papéis do próprio governo brasileiro. Só a aplicação nesses títulos de curto e longo prazo somou US$ 3,350 bilhões o ano passado. Segundo o advogado Roberto Justo, a compra dos papéis de dívida nacional é a alternativa que o brasileiro encontra de aumentar os ganhos, mesmo com as baixas taxas pagas no primeiro mundo. Os títulos do governo brasileiro oferecem retorno médio que varia entre 8% e 10% ao ano, mais a variação do dólar no período. Os papéis das empresas brasileiras, com raras exceções, pagam juros acima das taxas da República, variando conforme o prazo e a classificação de risco da companhia - quanto mais longos os papéis e mais alto o risco da empresa, maiores as taxas. Segundo levantamento do Valor Data, este ano, os juros pagos pelos bônus de um ano de empresas brasileiras variam entre 3,25% ao ano e 8%. Os brasileiros mais acostumados com risco aplicam um pedaço do dinheiro no mercado de ações americano, na tentativa de engordar os ganhos obtidos na renda fixa lá fora. Os investimentos em ações o ano passado foram de US$ 1,951 bilhão frente US$ 1,430 bilhão em 2002. A maior parte é compra de recibos de ações de empresas brasileiras listadas nas bolsas americanas - os American Depositary Receipt (ADRs). "É complicado comprar ações de companhias estrangeiras acompanhando os dados delas daqui do Brasil", diz um investidor brasileiro que tem aplicações no exterior e prefere não ser identificado. Ele, assim como muitos outros brasileiros, acompanha diariamente as ações no Brasil e seus ADRs, para ganhar com a eventual diferença de preços entre eles. Uma parcela do investimento direto no exterior, que o ano passado chegou a US$ 54,892 bilhões, é dinheiro de pessoas físicas que abriram empresas para aplicar no exterior. Segundo Justo, o procedimento vale a pena para brasileiros que aplicam grandes quantias e giram bastante o dinheiro. "A empresa paga imposto de renda (IR) apenas quando distribui dividendos ao acionista, enquanto que o IR para pessoa física incide sobre os ganhos de capital, toda vez que vende as ações", diz Justo. Ele afirma que a empresa compensa para investimentos a partir de US$ 500 mil. Abrir uma empresa nos Estados Unidos custa US$ 1.500 e manutenção anual é de US$ 1.000. Já na Europa os custos são mais salgados: entre US$ 5.000 e US$ 7.000 a abertura e US$ 1.500 por ano de manutenção. Justo, especialista na regulamentação fiscal sobre transações financeiras no exterior, diz que, apesar de ser mais barato, a desvantagem de abrir uma empresa nos Estados Unidos é que no caso de morte do acionista (leia-se investidor), a família paga um imposto de 50% para transferir os recursos, enquanto que na Europa não existe esse pedágio. Tirando a má vontade de alguns bancos no país, o processo para aplicar fora é menos burocrático do que se imagina. O investidor transfere os recursos para a conta do banco, que irá converter os reais em dólares. Em seguida o dinheiro vai para a conta que o investidor abriu no exterior e já pode ser aplicado no mercado, por meio de uma corretora estrangeira. Além dos custos para a abertura da conta, o investidor paga duas CPMFs - quando transfere o dinheiro para o banco e na conversão da moeda - além das taxas do banco e da corretora, que devem somar entre 1% a 2% do volume. Na visão de Justo, o processo é vantajoso para carteiras a partir de US$ 100 mil.