Título: BC tem espaço para uma política flexível de juros
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 24/06/2005, Opinião, p. A10

O Conselho Monetário Nacional definiu em 4,5% a meta de inflação para 2007, a mesma de 2006, com variação de dois pontos percentuais para cima ou para baixo, sem modificar o processo pela qual o objetivo terá de ser perseguido. A manutenção da meta para 2006 e o ano seguinte é, no essencial, correta. Ela aponta que o governo vai continuar buscando uma inflação cadente e as pressões para que se estipulasse um "centro" maior para os dois anos não foram bem sucedidas. Como estão colocadas, as metas não são nem apertadas demais, nem frouxas. Tudo dependerá dos métodos que o BC usará para realizar a sua missão. Eles foram exageradamente conservadores até agora. Mesmo a apertada meta de 4,5%, com 2,5 pontos de variação, para 2005, é elevada em relação aos demais países emergentes e aos parceiros desenvolvidos. Com os 7,6% de 2004, o Brasil perdia apenas para Rússia, Turquia e Venezuela, entre os campeões em alta de preços. Até abril, com um IPCA de 8,1% em doze meses, a inflação brasileira continua significativamente superior ao de nações como o México (4,6%), Chile (2,7%), Peru (1,8%) e Colômbia (5%). Ela se situava acima também da inflação observada em todos os países emergentes do Leste europeu e bem acima da dos principais "tigres asiáticos". É importante que a meta de inflação de médio prazo procure se aproximar da de seus competidores e parceiros comerciais com a rapidez possível. O comportamento da inflação desde o estabelecimento do sistema de metas e da adoção do regime de câmbio flutuante, em 1999, apresentou um comportamento nada errático. Com exceção do período entre outubro de 2002 e abril de 2003, marcado pela instabilidade decorrente da campanha eleitoral, ela girou em torno dos 7%, segundo cálculos do ex-ministro da Fazenda, Delfim Netto. A política monetária de juros altos, que atravessou todo este período, tem sido, por si só, incapaz de jogá-la para baixo dos 7%. Esse é um dos motivos que deveria demover as autoridades monetárias de aumentar o custo do combate antiinflacionário ao tentar mover os preços para uma camisa de força irreal, como se tornou os 5,1% atuais fixados pelo BC. Isto, entretanto, não quer dizer que o BC devesse jogar a toalha, mas sim que, diante dos sucessivos e fortes choques na economia, utilizasse em sua ação as bandas para acomodá-los. Esse não é um expediente para obter "um pouco mais de crescimento com um pouco mais de inflação". Por outro lado, para conseguir índices de inflação menores, ainda mais diante de uma inércia criada pelos preços administrados, é recomendável um horizonte de tempo superior ao calendário gregoriano. O CMN e a equipe econômica preferiram, até agora, fugir à necessidade óbvia de fazer ajustes no sistema de metas, que se provou um bom instrumento para coordenar as expectativas dos agentes econômicos. Na ausência de um espaço maior de tempo, a carga de juros que tem de ser usada para obter determinada meta em curto espaço de tempo teve de ser muito maior do que poderia ser em outras circunstâncias. As consequências de um manejo conservador das metas estão à vista em 2005, com um câmbio apreciado, juros reais extravagantes de 13% ao ano e uma pesada conta adicional de mais de R$ 30 bilhões na dívida pública. Obter 4,5% por dois anos seguidos, 2006 e 2007, abre a chance para uma atuação mais flexível do BC, quase semelhante à possibilitada por um regime com maior intervalo de tempo para se atingir a meta. A política monetária pode ser mais suave. Com o atual nível dos juros, a inflação para 2006 já corre na casa dos 5% e, na projeção de algumas das instituições que mais acertam suas previsões, ela já está abaixo disso. Para o ano corrente, as previsões estão em torno dos 6% e em queda. Dessa forma, é possível manter a inflação consistentemente em queda pelos próximos 30 meses se a política for calibrada para usar inteligentemente a margem de variação. Ou, como diz o economista Fabio Giambiagi, aceitar, para 2006, uma inflação "que se situe aproximadamente no ponto médio do intervalo entre a taxa de inflação a ser efetivamente observada em 2005 e a meta de 4,5% de 2007" (Valor, 14 de março). A variável relevante seria o IPCA de 12 meses. Dado o intervalo entre a decisão e seus efeitos, os juros já poderiam começar a cair a curto prazo. Não é esta a disposição do Copom. Na ata de sua última reunião está o mantra de manter os juros atuais "por um período suficientemente longo de tempo". A inflação declina com rapidez e o BC, que exagerou na dose, tem espaço para uma conduta mais flexível. A fixação da meta para 2007 abre mais esta chance.