Título: A corda tensa da política no Mercosul
Autor: Sergio Leo
Fonte: Valor Econômico, 27/06/2005, Brasil, p. A2
Costuma-se dizer que, se do ponto de vista político o Mercosul anda desmoralizado, o vigoroso comércio entre os países do bloco encarrega-se de provar as vantagens que traz para os quatro sócios. As estatísticas comerciais entre Brasil e Argentina, neste ano, porém, mostram que, apesar de todas as facilidades garantidas para a entrada de mercadorias do país vizinho no mercado brasileiro, o desempenho dos exportadores argentinos no Brasil perde para outros países da América Latina. Outros países aproveitam melhor os tratados comerciais com o Brasil, como mostra o impulso recebido pelo México, beneficiado por um acordo de livre comércio no setor automotivo com o Cone Sul, e as vendas de petróleo e gás da Venezuela e Bolívia ao Brasil. No fim desta semana, quando forem divulgados os dados comerciais de junho, será possível saber se o comportamento do comércio entre Argentina e Brasil, em maio, é ou não indício de uma crescente assimetria de resultados para os dois parceiros. No mês passado, o crescimento das importações vindas da argentina foi menor que o aumento das compras feitas na América Latina, ou mesmo na África ou Europa Oriental. A média diária das importações provenientes da Argentina cresceu quase 33% em relação à maio de 2004; essa cifra, embora expressiva, fica abaixo da alta de 38,5% para as importações brasileiras vindas da África, e dos 41,4% de aumento nas compras de outros países latino-americanos. Da China, então, foram quase 55% a mais em importados. Vê-se que o comércio bilateral vem crescendo e garante mercado aos pouco competitivos exportadores argentinos. Mas, os argentinos têm mantido um nível insuficiente de investimentos para garantir o ritmo de crescimento. No primeiro trimestre do ano houve um sinal de alarme com a redução do ritmo de crescimento e a queda no saldo das contas externas, as chamadas contas correntes, que passou de positivo para ligeiramente negativo. O difícil equilíbrio das contas externas alia-se às pressões de empresários locais e aumenta a tentação protecionista nas autoridades em Buenos Aires.
Importações vindas de outros países crescem mais
A demanda brasileira - mais fraca por produtos argentinos que por mercadorias de outros países- contrasta com as vendas do Brasil para o vizinho, que aumentaram 44,5% em comparação com maio de 2004; muito mais que os 19% nas vendas para os outros países latino-americanos, ou os 14% para os EUA. Daí veio o superávit recorde com a Argentina em maio, de mais de US$ 300 milhões, que elevou o saldo acumulado em 2005 a US$ 1,23 bilhão em favor do Brasil, 123,8% superior a igual período de 2004. Em abril, apesar de um repique nas compras de produtos argentinos, o total das importações vindas da Argentina acumulado desde janeiro estava crescendo apenas 16% - em comparação com o aumento de 27% das compras originadas de outros países latino-americanos. Em maio, o crescimento de importações da Argentina acumulado nos primeiros cinco meses do ano ficou em 19%, ainda bem abaixo dos 30% de aumento nas compras feitas nos outros países da América Latina. Dificilmente a Argentina de Kirchner tomará alguma providência capaz de comprometer a existência do Mercosul. Mas os argentinos confiam que a sociedade com os vizinhos garante ao Brasil um capital político do qual o governo Lula não quer abrir mão em seu projeto de mudar a "geografia comercial" do mundo. As autoridades argentinas parecem querer modelar o Mercosul de forma a bloquear a entrada em alguns setores do mercado argentino onde se espera fortalecer os empresários locais para estimular os necessários investimentos. Ao mesmo tempo, deixam os parceiros brasileiros em tensão constante para enfatizar o valor da parceria política para os planos do governo Lula. O mais desagradável nessa estratégia, porém, é que está difícil falar em ganho político no Brasil quando o presidente argentino desmoraliza os encontros regionais como fez, novamente, na última reunião do Mercosul, onde não perdeu mais que uma tarde; quando os discursos de Kirchner passam a ter referências obrigatórias, nunca elogiosas, ao governo brasileiro; e quando o mandatário vizinho opta pelos gestos dramáticos e claramente hostis para reivindicar atenção - como fez ao indicar o auxiliar Aldo Ferrer (para surpresa do próprio Ferrer) à presidência do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), cargo que sabia desejado por Lula para o brasileiro João Sayad.