Título: Governo cobra dívidas da Lei de Informática
Autor: Ricardo Balthazar
Fonte: Valor Econômico, 27/06/2005, Brasil, p. A3

O Ministério da Ciência e Tecnologia lançou uma ofensiva para cobrar dívidas acumuladas por dezenas de empresas beneficiadas pelos incentivos fiscais da Lei de Informática. Na avaliação do ministério, elas não fizeram investimentos em pesquisa e desenvolvimento de novos produtos que a legislação exige como contrapartida dos benefícios. O ministério encaminhou à Receita Federal nas últimas semanas relatórios sobre 52 empresas cuja situação considera irregular, e avisou a todas que tomara essa providência. A Lei de Informática diz que as empresas beneficiadas perdem a vantagem e têm que devolver os incentivos recebidos se não realizarem todos os investimentos exigidos. Nos cálculos do ministério, essas 52 companhias acumularam nos últimos oito anos uma dívida de R$ 501 milhões em investimentos não realizados. Há situações em que elas gastaram menos do que a lei mandava e casos mais complicados, em que despesas apresentadas pelas empresas não foram reconhecidas como investimentos em pesquisa e desenvolvimento pelo governo. Os nomes das empresas são mantidos em segredo pelo ministério e pela Receita. Se, além de fazer os investimentos não realizados, elas fossem forçadas a devolver integralmente os incentivos que receberam no período analisado pelo ministério, essas indústrias teriam que recolher mais R$ 3 bilhões, o equivalente a 45% dos benefícios distribuídos pela lei nos últimos dez anos. A iniciativa do ministério surpreendeu as empresas. Muitas vinham discutindo a situação com o governo e algumas tinham se comprometido a investir em novos projetos de pesquisa para limpar sua ficha e ficar livre das penalidades da legislação, segundo um ex-funcionário do governo que participou dessas negociações e executivos de três empresas beneficiadas pela lei. Essas discussões foram interrompidas. "Fiz o que a lei manda fazer", disse o secretário de Política de Informática do ministério, Marcelo Lopes, que assumiu o posto em março e decidiu endurecer com as empresas assim que chegou. "O que não podia era deixar que continuassem aquela brincadeira em que as empresas fingiam que faziam pesquisa e o ministério fingia que cobrava." A Lei de Informática isenta do recolhimento do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) a venda de computadores, telefones celulares, equipamentos de telecomunicações e outras mercadorias. Multinacionais poderosas como a Dell, a Motorola, a Ericsson e a Siemens estão entre os principais beneficiários da lei. As empresas são obrigadas a investir em pesquisas um porcentual do faturamento que varia com o tempo. Neste ano, elas terão que aplicar o equivalente a 4% da receita obtida na venda de produtos beneficiados pelos incentivos. A exigência é menor para indústrias pequenas ou localizadas nas regiões mais pobres. Desde que a lei foi aprovada, em 1991, as empresas beneficiadas aplicaram R$ 4,6 bilhões em atividades de pesquisa e desenvolvimento, o equivalente a nove vezes o valor que o ministério está cobrando. Antes da chegada de Lopes, os funcionários que lidavam com o assunto preferiam negociar novos programas de pesquisa com as empresas em situação irregular do que obrigá-las a se entender com a Receita. O Valor procurou várias empresas que recebem os benefícios da lei para discutir o problema, mas seus executivos só concordaram em falar do assunto em caráter informal. A Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee), que representa essas companhias nas discussões com o ministério, também não quis se manifestar oficialmente. O secretário da Receita Federal, Jorge Rachid, informou a Lopes que não pode agir nos casos que recebeu porque são muito antigos. A legislação tributária diz que o fisco pode cobrar impostos dos contribuintes até cinco anos depois do momento em que deveriam ter sido pagos. Os casos apresentados pelo ministério ocorreram entre 1997 e 2000. Lopes pretende insistir mesmo assim. Segundo ele, um parecer da assessoria jurídica do ministério sugere que o prazo para atuação da Receita deve ser contado a partir do momento em que os técnicos informaram às empresas que elas não haviam feito os investimentos exigidos, o que ocorreu bem mais tarde no caso dessa discussão. Procurada pelo Valor, a Receita não quis opinar. Seja qual for a interpretação que prevalecer sobre o aspecto tributário do problema, as indústrias continuarão obrigadas a desembolsar o valor integral dos investimentos que não realizaram. Parte do dinheiro terá que ser depositada num fundo especial administrado pelo ministério. O resto poderá ser aplicado em novos projetos de pesquisa. Em dezembro, quando a validade dos benefícios da Lei de Informática foi prorrogada até 2019, o Congresso autorizou o parcelamento das dívidas acumuladas pelas empresas até 2003. Elas terão 48 meses para pagar tudo e regularizar sua situação. Mas o decreto que deverá regulamentar essa e outras novidades introduzidas na lei ainda está em estudos no ministério.