Título: "Não há homens acima de suspeitas"
Autor: Janaina Vilella
Fonte: Valor Econômico, 27/06/2005, Política, p. A9

Entrevista Ex-companheiro de Dirceu no movimento estudantil diz que governo reage mais rápido que partido

Ex-companheiro do ex-ministro José Dirceu nas lutas estudantis-revolucionárias dos anos 60, o ex-deputado federal e hoje pré-candidato ao governo do Rio, Vladimir Palmeira cobra uma atitude mais enérgica do partido em resposta aos ataques do ex-presidente do PTB, Roberto Jefferson. "O partido é feito de homens e não se pode partir do princípio de que são todos puros. Não existe nenhum partido e nenhuma pessoa acima de qualquer suspeita. Tem que apurar e, se tiver algum petista envolvido, deve ser punido pelo partido e pela justiça". Mergulhado em obras de Lenin e Marx, por conta de uma tese de doutorado a ser defendida em agosto, Vladimir está distante do epicentro do terremoto político que sacode Brasília, mas nem por isso deixa de cobrar uma tomada de posição de seu partido. Vladimir, que em 1998 foi forçado pela direção nacional do PT a desistir da candidatura ao governo do Rio, para que pudesse ser feita uma aliança, vitoriosa, com o então pedetista Anthony Garotinho, mostra, nesta entrevista ao Valor, que deixou para trás as decepções do passado, sem abrir mão de criticar o que, no seu entendimento, vai mal na luta do PT de hoje para provar que não é um partido corrompido. "Acho que o PT está com uma posição tímida em todo o processo, inclusive pela ausência de suas lideranças no debate. Foram feitas acusações ao nosso partido, ao governo e às lideranças do PT deveriam estar presentes para encaminhar isso. Eu fico espantado com a anemia da defesa do nosso partido", disparou o ex-líder estudantil, preso, em 1968, com Dirceu e outros, no 30º Congresso da União Nacional dos Estudantes (UNE), em Ibiúna (SP). A volta do ex-ministro-chefe da Casa Civil José Dirceu à Câmara dos Deputados, na sua avaliação, vai reforçar o discurso de defesa do partido nas CPIs e ajudar o governo a reformular sua base de apoio no Congresso. A ampliação dessa base, em sua opinião, passa por uma reestruturação da política de alianças do governo. O ex-deputado federal não vê semelhanças entre a radicalização dos movimentos sociais ocorrida no governo do ex-presidente João Goulart (1961-1964) e as manifestações apoio ao presidente Lula expressas por organizações sociais de hoje, como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). "Em 1964, havia uma luta de caráter mais radical, por reformas de base. O que se está apurando agora no Brasil é uma mera denúncia de corrupção", afirmou Vladimir. Para Vladimir, as denúncias de Jefferson respingaram na imagem do presidente Lula, mas ele acredita que, no médio prazo, não vão interferir em sua reeleição. A seguir, trechos da entrevista: Valor: O sr. já tinha ouvido falar no mensalão? Vladimir Palmeira: Nunca ouvi falar. Nem agora, nem na época que era deputado federal. Valor: O que o sr. acha das denúncias? Vladimir: Não estou lá no centro dos acontecimentos, mas aparentemente a Polícia Federal foi em cima dele e ele decidiu retaliar. Isso é o que parece pelas histórias que ele conta. Ele mesmo disse que se sentiu abandonado. Mas a Polícia Federal está cumprindo a sua função, está apurando as denúncias. O problema da mentira é essa. Ela vem floreada com uma série de verdades. Ele conta algumas coisas que aconteceram misturadas com outras que aparentemente ele inventa, se contradiz, assim como foi o depoimento do Maurício Marinho (ex-chefe da Diretoria de Contratação e Administração de Material dos Correios), na CPI dos Correios. Ele (Jefferson) construiu a peça e está falando o que quer porque já sabe que vai ser cassado. Valor: Jefferson falou que o Dirceu seria o líder do mensalão, o mentor do processo? O sr. acredita nisso? Vladimir: Não. Aliás, eu já vi que ele (Jefferson) acusou mais de uma pessoa. Começou com o Delúbio (Delúbio Soares, tesoureiro do PT), depois dirigiu a bateria dele contra o Silvio Pereira (secretário-geral do PT), depois veio com o José Dirceu. Ele está se entusiasmando com o próprio papel. Não vejo nenhuma credibilidade no que ele diz, mas a função de um partido como o nosso é apurar. A função do governo e do partido é apurar. Se eu tivesse alguma influência nisso, eu teria não só facilitado a criação da CPI dos Correios, como tinha colocado o senador Jefferson Peres (PDT-AM) na presidência. Ninguém poderia duvidar da imparcialidade dele. Valor: Como o sr. avalia o comportamento do governo diante das denúncias e da CPI dos Correios? Vladimir: É difícil separar governo e partido. O governo, do seu ponto de vista, está apurando. O Waldir Pires (ministro-chefe da Controladoria-Geral da União) está apurando as denúncias nos Correios, por exemplo. A Polícia Federal também está investigando as denúncias envolvendo o ex-presidente do IRB. Se existirem irregularidades, não tenho a menor dúvida que elas serão apuradas devidamente. Agora quanto à atitude em geral do partido, e eu não quero separar partido e governo de uma forma absoluta, eu digo o que é visível nos jornais, eu acho que o PT deveria ter pedido a CPI desde o início, não porque existe algo, e sim para mostrar à opinião pública que ele não tem nada a temer. Era uma postura mais clara do que esse emaranhado que ficou. Pairam dúvidas sobre a posição efetiva do partido, embora, no entanto, José Genoino (presidente nacional do PT) e outros tenham dito que queriam apurar. Acho que o PT tem uma cultura contra corrupção mais desenvolvida do que outros partidos, mas acho que ele é feito de homens. Você não pode partir do princípio que o seu partido é puro. Por isso você tem que apurar, você não pode simplesmente dizer que o PT está acima de qualquer suspeita. Não existe nenhum partido e nenhuma pessoa que esteja acima de qualquer suspeita. Então tem que apurar, essa é a questão central. Acho que em relação a isso o partido foi tímido. Acho que o PT está com uma posição tímida em todo o processo, inclusive pela ausência de suas lideranças no debate. Foram feitas acusações ao nosso partido, ao governo e as lideranças do PT deveriam estar presentes para encaminhar isso. Eu fico espantado com a anemia da defesa do nosso partido. Valor: Na sua avaliação, a volta de José Dirceu para a Câmara dos Deputados pode combater de certa maneira essa postura tímida?

Governo tem que ter, no máximo 15 ministros, que devem nomear toda sua assessoria para poder delegar e cobrar"

Vladimir: Eu espero que sim. O Dirceu vai para o Congresso e certamente vai ajudar o partido a ter mais ofensividade política. A boa defesa do partido é apurar a corrupção, incentivar a CPI. Se eventualmente alguém do PT estiver envolvido, tem que ser punido, não só pelo próprio partido, mas pela Justiça. Valor: O sr. que viveu intensamente o ano de 1964 vê alguma semelhança entre o que aconteceu naquela época com o que está acontecendo agora? Vladimir: Não, nenhuma. São momentos históricos diferentes. Valor: Os movimentos sociais estão se mostrando favoráveis a Lula. O sr. acredita que se Lula se sentir encurralado tentará mobilizar as massas trabalhadoras, como o ex-presidente João Goulart fez em 1964? Vladimir: Não há porque. O Lula não é um extremista, entendeu? Em 1964, havia um movimento na sociedade, havia uma luta por reformas. Era uma luta de caráter mais radical. Reformas de base estavam na ordem do dia naquele momento. Havia um enfrentamento social de classes naquele momento que não existe no Brasil de hoje. O que se está apurando atualmente é uma mera denúncia de corrupção. Eu acho que os movimentos sociais fazem muito bem em defender o governo do Lula. Se o Lula sair, estou falando do ponto de vista eleitoral, vai entrar um governo mais à direita. Não vai ser um governo mais à esquerda que vai chegar ao poder se o Lula perder as eleições. É natural que o movimento social, mesmo não tendo as suas reivindicações atendidas inteiramente, pelo menos, defendam o Lula. Mas isso não tem nada demais. Valor: O sr. acha que a imagem do presidente Lula ficou manchada depois dessas denúncias? Vladimir: O Lula é um homem de muita credibilidade na sociedade brasileira, mas caiu e está caindo lentamente (em intenções de voto). Não tenha dúvidas que isso terá uma repercussão imediata na imagem do presidente. Esse é o problema que leva muita gente do PT a se preocupar com isso, e com a CPI, mas isso não é o mais importante. O partido tem que pensar a médio prazo. No curto prazo (essa crise) pode até ajudar a oposição, mas a médio prazo ajuda o PT. Essa é que é a questão central, a meu ver. O imediato é desgaste, claro. Mas se você apura, investiga e pune, a médio prazo quem ganha é o governo. Isso tem que nortear a estratégia dele. O governo não deve se assustar com ataques menores e imediatos. Quando chegar na campanha eleitoral do próximo ano, se o governo tiver apurado e punido, na medida que ele pode fazer isso, porque tudo vai para a Justiça, o governo vai se sair bem. Eu acho que essa crise no Congresso Nacional reforça a polarização que reúne o PSDB e o PFL contra o PT. Eu acho que isso consolida mais o quadro político brasileiro em relação à 2006. Valor: Uma reforma ministerial poderia mudar o quadro atual? O sr. acha que a saída de Dirceu pode ajudar na condução desse processo? Vladimir: Cada situação é uma situação concreta para você analisar. Você não vai afastar um ministro porque alguém disse isso ou aquilo dele. Qual é a fronteira disso? Ninguém sabe. No caso dos Correios, por exemplo, ficou visível que existia corrupção, portanto, era prudente mudar toda a diretoria. No caso da Casa Civil é um negócio político, não tem nenhuma acusação específica contra o Dirceu. Voltando à questão da reforma ministerial, eu acho que o Lula deveria fazer uma reforma na administração do Estado. Eu sou contra administrações trançadas, nas quais o ministro é de um partido e o secretário-executivo é de outro. Acho que isso não ajuda, mas é uma filosofia muito forte não só no PT, mas também em outros partidos. Eu sou a favor de ter um ministério que dirija o país coletivamente e que você, na hora da execução, dê responsabilidades partidárias individuais. É uma política mais sadia. Acho que o governo tem ministérios demais; 35 ministros é uma piada. Você tem que ter um ministério reduzido para que ele funcione, com no máximo 15 ministros. Mais que isso você não consegue administrar. Você fica procurando prioridades, passa a ser uma política de prioridades. Eu não daria um ministério para uma pessoa e ao mesmo tempo nomearia toda a sua assessoria. O ministro deve ser o responsável pelas suas nomeações. Assim, ele pode trabalhar, cobrar responsabilidades e apurar melhor futuras denúncias. Valor: O Dirceu era um grande articulador político no governo. O sr. acha que o governo ficou descaracterizado com a sua saída? Vladimir: Não. A escolha da ministra Dilma (Dilma Rousseff, ex-ministra de Minas e Energia) para a Casa Civil está perfeitamente à altura. Dirceu fez uma opção política, ele achou melhor sair, consultando quem, eu não sei. Converso muito com ele, ele é meu amigo pessoal, e sei que ele gosta mais da administração do que da coordenação política. Ele pediu para sair da Articulação Política. O problema do José Dirceu é que, como ele era um ministro politicamente importante, e estava havendo problemas com o Aldo (Aldo Rebelo, ministro da Articulação Política), muita gente do próprio PT ia atrás dele nas questões políticas, mas ele já não tinha função na articulação. Valor: O sr. acha que ele errou na condução da crise? Ele deveria ter saído na época do escândalo Waldomiro Diniz? Vladimir: Isso é difícil de ver. Como ele ia prever que ia ter um escândalo nos Correios? Ele ficou porque achou que politicamente poderia ajudar mais o governo na Casa Civil. E é o que todo mundo acreditava. Na época ninguém foi contra a permanência dele no governo. É difícil fazer esse tipo de julgamento, porque há coisas na luta política que você não prevê. O destino dos indivíduos muita vezes é dado por questões fortuitas. Valor: Como a base de apoio no Congresso poderia ser reformulada, tornar-se mais coesa, assim como ocorria no governo FHC? Vladimir: Isso é um problema de orientação do governo. Eu acho que uma política de alianças estabelecida em cima de um programa mais estreito era melhor. O governo tem um partido de centro, o PMDB. Mas ele só flerta, não namora com o PMDB, desde o início do governo. Se o governo tivesse feito uma coligação com o PMDB desde o início, era uma questão mais clara. Essas coligações trançadas, que pega o PL, um partido de direita e o PTB, que eu não sei exatamente o que seja, limita mais. Mas não quer dizer que seja impossível fazer.

Se Lula perder, vai entrar um governo mais à direita. É natural que os movimentos defendam o presidente"

Valor: A reeleição de Lula em 2006 passaria por uma aliança com o PMDB? Vladimir: Não. Eu acho que o Lula tem todas as condições de se reeleger sem aliança alguma. Agora, você não precisa de aliança só para ganhar eleição e sim para governar, para incorporar setores da opinião pública que não pensam como o seu partido, mas que estão dispostos a contribuir com parte do seu programa de governo. Valor: O sr. acha que o PT acertou em ter defendido a permanência do Delúbio Soares e do Sílvio Pereira? Vladimir: Eu acho que o partido não deveria mesmo ter afastado o Delúbio e o Silvinho, porque o partido é uma entidade privada, não é o Estado. Se o partido tivesse afastado os dois, aí sim, poderia parecer que eles estão envolvidos nas denúncias. Valor: O sr. defende o afastamento do ministro da Previdência, Romero Jucá, e do presidente do Banco Central, Henrique Meirelles? Vladimir: Eu acho que, aparentemente, não. No caso do Meirelles, ele sofre um processo, mas eu não examinei esse processo. Os caras dos Correios foram afastados porque existia uma prova concreta, material, contra eles. O mesmo ocorre no IRB. Mas no caso do Meirelles, me parece que não tem isso, assim como no caso do Jucá. Não estou pré-julgando ninguém, inclusive não conheço os dois, não tenho a menor relação, e nenhuma simpatia por essa gente. Mas nem por isso vou entrar numa de pré-julgar. Se for afastar todo mundo que recebe uma denúncia, do jeito que é a vida política brasileira, o Lula iria ficar sem ministério e o Fernando Henrique Cardoso nem teria governado. Valor: O governo prepara uma proposta de emenda constitucional para aumentar de 20% para 40%, num período de cinco a seis anos, a Desvinculação das Receitas da União. Alguns pensadores acham que essa medida radicaliza a ortodoxia econômica e vai descaracterizar o governo. Qual a sua avaliação? Vladimir: Eu acho que é preciso examinar. Todo administrador quer mais flexibilidade, mas precisa ter um certo limite, porque senão a gente cai no passado, quando saúde e educação eram abandonados e você só fazia ponte, obra, que dá retorno político imediato. Eu, particularmente, sou simpático a manutenção dos 20%. Valor: Como anda a sua campanha para o governo do Rio, em 2006? Vladimir: Estamos trabalhando em algumas frentes, começando a fazer diagnósticos, por exemplo, na questão da educação, da saúde e da segurança pública. Mas a partir de agosto, quando termino minha tese de doutorado, vou poder fazer mais coisas. Valor: Essa possível aliança com o PMDB em nível nacional pode mudar a correlação de forças nos Estados? Vladimir: Não tem porque isso acontecer. Você pode fazer uma aliança nacional e não fazer nenhuma aliança regional. Assim como você pode fazer uma aliança nacional e fazer uma aliança em todos os Estados. Mas em geral, no Brasil, isso é difícil porque os Estados têm realidades locais. Aqui no Rio, por exemplo, é inviável tal aliança. Valor: O sr. acha que a disputa ficará polarizada entre PFL e PMDB contra o PT, no Estado? Vladimir: Aqui, os candidatos são Cesar Maia, pelo PFL, e Sérgio Cabral, pelo PMDB. Eu trabalho com esse horizonte porque os dois são os melhores candidatos que a direita e o populismo de direita podem ter. A disputa é essa. O governo do Rio está um desastre. O Rio de Janeiro está no caos, eu acho que tudo tende a levar à vitória de um candidato de oposição.