Título: BNDES aponta riscos para a especialização em placas
Autor: Francisco Góes
Fonte: Valor Econômico, 27/06/2005, Empresas, p. B9

Siderurgia Para o banco, Brasil fica vulnerável em ajustes de oferta e preços

Acendeu a luz amarela dentro do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) com a lógica da siderurgia mundial neste início de século XXI. O modelo, que vem ganhando força entre grandes grupos do setor, como Arcelor, ThyssenKrupp e Posco, consiste em deslocar investimentos em usinas de aços semi-acabados (placas) para países em desenvolvimento, concentrando nas matrizes as etapas de acabamento (laminação). A especialização na produção de placas para exportação em países como o Brasil implica no risco de que, encerrado o ciclo de alta do aço, o ajuste sobre os preços se concentre justamente nos produtos semi-acabados. A hipótese sustenta-se no fato de que a etapa inicial da cadeira do aço, a fabricação de placas, na qual o Brasil apresenta claras vantagens competitivas, tem menos flexibilidade do que as fases de acabamento do aço para se adaptar às oscilações de mercado. Em cenário de queda de preços, portanto, haveria queda nas margens dos produtores de placas, mas as usinas brasileiras permaneceriam no mercado pelo seu baixo custo de produção. A análise faz parte de uma radiografia da indústria siderúrgica feita por técnicos do BNDES. O estudo sobre siderurgia é um dos trabalhos setoriais do banco no âmbito do Sistema de Planejamento Integrado para o Desenvolvimento, encomendados na gestão de Carlos Lessa. O trabalho já foi apresentado à atual diretoria do BNDES. Como potencial financiador de projetos no setor, sobretudo os "green field", o banco tem interesse em analisar os investimentos que hoje estão sobre a mesa no setor no Brasil. Quatro grandes iniciativas para produção de placas no Brasil, todas com participação da Vale do Rio Doce, entraram com força na agenda da indústria em 2003 e 2004, mas ainda é grande o grau de incerteza sobre a viabilidade de vários delas. "Há que se qualificar o investimento", avalia Paulo Sérgio Moreira da Fonseca, chefe do departamento de indústria de base, na área de insumos básicos, do BNDES. Segundo ele, há hoje a tendência de que a Europa deixe de fazer usinas integradas a coque (insumo para produzir aço) por questões econômicas e ambientais. Um dos resultados dessa estratégia, sugere, são acordos entre empresas brasileiras, européias e asiáticas para produzir placas de aço no Brasil. "O Brasil tem um dos custos de produção mais baratos do mundo na siderurgia em função de fatores como o minério e a logística", diz Fonseca. O projeto em fase mais adiantada envolve a Vale e a alemã ThyssenKrupp Stahl, que criaram a Companhia Siderúrgica do Atlântico (CSA). Prevê a montagem de uma usina em Santa Cruz, no Rio, apta a fazer 4,4 milhões de toneladas por ano. O investimento no projeto é de US$ 1,5 bilhão. Os sócios da CSA ainda não entraram com consulta no BNDES, mas o banco já enquadrou outro projeto que, apesar de várias dificuldades, tem chances de deslanchar: a Usina Siderúrgica do Ceará (USC), parceria entre a italiana Danieli, a coreana Dongkuk e a Vale. As maiores dúvidas recaem sobre projetos previstos para o Maranhão: as usinas de placas da Vale com chinesa Baosteel e com a sul-coreana Posco. Há ainda o projeto de expansão em curso da Siderúrgica de Tubarão (CST) e em estudo da Siderúrgica Nacional (CSN). Para o BNDES, a capacidade instalada de produção de aço bruto, com esses projetos, pode chegar a 60 milhões de toneladas ao ano no país, em dez anos. O Instituto Brasileiro de Siderurgia (IBS) trabalha com aumento de 47% na capacidade instalada - das atuais 34 milhões para 50 milhões de toneladas em 2010. Essa previsão não considera os projetos nos quais a Vale participa. Henrique Costa Pinto, gerente do departamento de insumos básicos do BNDES, identifica um movimento de transferência da produção de semi-acabados para lugares do mundo onde o custo é menor. "Historicamente, a maior parte da produção sempre foi integrada em um mesmo local", diz. Isso pode estar mudando, observa. Ele acrescenta que os grandes grupos de aço do mundo continuarão integrados, mas produzindo onde for mais barato. O Brasil é um lugar barato para fazer até o produto intermediário (bobina a quente). A partir daí os produtos vendidos pelo país enfrentam barreiras no acesso aos países desenvolvidos. Os técnicos do BNDES também estão atentos para evitar que projetos financiados pelo banco possam se transformar em centros de custos das matrizes na Europa ou Ásia, o que significaria vender parte das placas pelo custo de produção e não pelo valor de mercado. "É possível tomar precauções para evitar que isso ocorra por meio da Receita Federal, Secretaria de Comércio Exterior) e o Ministério da Fazenda", avaliou Elizio Damiao de Araujo, gerente do departamento de insumos básicos do BNDES. Para eles, a siderurgia no país precisa buscar um equilíbrio de mercado, que passa pela expansão em semi-acabados mas também por investimento em linhas de acabamento fora do país para não ficar refém de oscilações de preço.