Título: Metas aceitáveis
Autor: Antonio Delfim Netto
Fonte: Valor Econômico, 28/06/2005, Brasil, p. A2

O Conselho Monetário Nacional fixou para 2006 e 2007 meta de inflação de 4,5%, com uma margem de tolerância de mais ou menos 2 pontos percentuais. Nos próximos dois anos, devemos esperar uma taxa de inflação declinante, entre a obtida em 2005 (em torno de 6%) e o limite inferior da margem, 2,5%. O ministro Palocci declarou que a taxa de longo prazo desejada pelo Brasil é de 4% (talvez um pouco alta como "longo prazo"). As atuais taxas de inflação nos vários países do mundo são produto de uma evolução consistente que as vêm reduzindo desde o final dos anos 70, quando os EUA adotaram uma rígida política monetária, que produziu a maior recessão que a economia mundial registrou desde 1929. Desde lá o mundo tem assistido à redução da taxa de inflação acompanhada por uma taxa de juro real, alta em termos históricos e, certamente, responsável pela diminuição do ritmo de seu crescimento econômico desde os anos 80. Em maio de 2005, a taxa anual de inflação dos países desenvolvidos foi menor do que 2,5%, com exceção dos EUA (3,5%) e Espanha (3,5%). Dos 25 países em desenvolvimento cobertos pela estatística do "The Economist", 10 têm inflação maior do que 4%. Os outros 15 têm uma média parecida em 3,5%. No passado fixamos metas muito ambiciosas (por exemplo, 4%, em 2002, e 3,25%, para 2003) posteriormente corrigidas. A de 2003 foi elevada para 4%, com ampliação da margem de tolerância para 2,5 pontos, finalmente ajustada em 8,5%. A meta original, de 3,75%, para 2004 foi corrigida para 5,5%, e a de 2005 ajustada para 5,1% (de 4,5%), com a mesma tolerância de 2,5%. O "centro" da meta só foi atingido uma vez (em 2000). As metas de 2001 e 2002 não foram cumpridas mesmo quando são considerados os limites de tolerância. Para 2005, o limite superior da meta é de 7,6%, que deverá ser cumprido graças à irresponsável valorização do real, parcialmente promovida por uma taxa de juro real interna dez vezes maior do que a do mundo. Hoje temos a seguinte situação: 1) taxa de inflação anualizada até maio: 7,8%; 2) expectativa de inflação para o ano: 6,05%; 3) expectativa para 2006: 5%; 4) expectativa de crescimento do PIB: 3%. Isso parece indicar que o CMN fixou "metas" mais exeqüíveis para o Banco Central. Todos sabemos que a inflação tem graves inconvenientes e custos sociais que não se refletem apenas no crescimento do PIB, mas se explicitam na infelicidade diária de parte importante da população, principalmente os aposentados e os desvalidos. Uma taxa de inflação relativamente estável, em torno de 4% parece, portanto, ser um objetivo exeqüível do ponto de vista econômico e louvável do ponto de vista social. Por outro lado, a insistência do governo na manutenção das metas decrescentes reafirma a credibilidade da política monetária. A teoria econômica sugere, e a observação empírica parece confirmar, que taxas de inflação até 5% não têm qualquer efeito sobre a taxa de crescimento do PIB, apesar de seus inconvenientes sociais. O quadro abaixo revela o número de países que registraram (no período 1980-2004) crescimento médio menor e maior do que 3% e, simultaneamente, taxa de inflação média menor ou maior do que 5%. Naqueles 25 anos, as taxas de inflação declinaram em todos os países, o que não deve produzir viés importante nas observações. Elas cobrem 152 países no período de um quarto de século. Uma análise estatística dessa tabela revela que a taxa de inflação média no período, em cada país, não teve qualquer efeito sobre o crescimento médio. Ou seja, uma inflação civilizada e crescimento parecem mesmo independentes no médio e longo prazo. Quando se prolonga o exercício, verifica-se que a partir da inflação média de 15%, a taxa de crescimento média é prejudicada (a análise estatística beira a significância). Gráfico abaixo revela os mesmos dados da tabela com o corte de 15%. Uma análise atenta mostra que os países com inflação média menor do que 15% ao ano, crescem ligeiramente mais do que os outros.