Título: Vitória da 'linha dura' no Irã agita o mercado de petróleo
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 28/06/2005, Opinião, p. A10

A interrupção do tímido processo de liberalização do Irã, com a eleição do ultra-conservador Mahmoud Ahmadinejad, coloca novo obstáculo nas espantosas dificuldades com que se defronta a diplomacia americana na região mais instável do mundo. A teocracia dirigida pelo aiatolá Ali Khamenei conseguiu impedir até mesmo as tímidas iniciativas de dois governos comedidamente comprometidos com reformas. Agora, com o novo presidente, sequer terá de fazer esse esforço. Ahmadinejad , ex-prefeito de Teerã e ex-membro da Guarda Revolucionária, provocou ondas de inquietação em seu discurso após a vitória sobre o seu principal opositor no segundo turno das eleições, o ex-presidente Akbar Rafsanjani. Ele disse que aproximar-se dos EUA não é importante no momento. Um trecho em especial alarmou os voláteis mercados de petróleo mundiais, que chegaram ontem a ultrapassar novamente a cotação dos US$ 60 o barril. "No campo do petróleo, a prioridade será dada aos aos investidores locais". O Irã detém a segunda maior reserva de petróleo do globo. Segundo especialistas, o país carece de capitais para expandir sua produção e a rejeição aos investidores externos sinaliza que a exploração de petróleo se manterá nos níveis atuais, na melhor das hipóteses, ou declinará, na pior. Com a oferta e demanda em equilíbrio no mercado mundial, e uma capacidade de refino que não se elevará no curto prazo, a vitória de um ortodoxo no Irã só poderia trazer más notícias. O Irã desenvolve um programa nuclear que tira o sono dos EUA e de seus aliados. A única chance de garantir que ele não seja usado para fins militares repousa hoje na negociação mantida pelos países europeus junto ao governo iraniano. Os EUA criticaram as eleições como um simulacro de democracia, o que, em algum grau, trouxe mais votos para o regime. Os grupos que pregavam o boicote às urnas não foram bem sucedidos e o desagrado da maior potência do mundo pode ter levado um bom número de eleitores a sufragar o radical nacionalista Ahmadinejad. Apesar do ódio ao regime de Saddam Hussein, derrubado pela invasão americana, os aiatolás iranianos enxergam os EUA como o 'Grande Satã' que apoiou por décadas o regime despótico do xá Reza Pahlevi. Reveses como o do Irã são consequência da dupla política perseguida pelos EUA no Oriente Médio. A linha dura do secretário de Defesa, Donald Rumsfeld, ataca o regime iraniano e tenta estabilizar à força o Iraque e o Afeganistão, os explosivos vizinhos do Irã. Mas a secretária de Estado, Condoleezza Rice, empenha-se numa difícil cruzada, a de converter os aliados dos americanos na região ao regime democrático. Em conferência na Universidade do Cairo, no dia 20 de junho, Rice fez a mais explícita revelação do que é e foi a política dos EUA antes e depois da reeleição de Bush. "Durante 60 anos, os EUA estimularam a estabilidade à custa da democracia no Oriente Médio. Estamos agora num rumo diferente. Apoiamos as aspirações democráticas de todos os povos", afirmou. A pregação democrática para a maioria das tiranias locais exige uma tortuosa liturgia. O risco de desestabilização dos aliados é grande e real. Algumas vitórias neste caminho, do ponto de vista da diplomacia americana, já foram conseguidas. Sob ultimato americano, que recebeu apoio da Arábia Saudita, as tropas do regime sunita de Assad se retiraram do Líbano, onde estavam alojadas desde junho de 1976. Sob pressão, o partido Baath, no poder, ensaiou em sua mais recente congresso uma linha de abertura política e econômica controlada, cuja profundidade é duvidosa. A retirada síria levou às eleições parlamentares livres no Líbano, onde venceram as forças que se opuseram à ocupação. A maioria coube à coalizão de Saad Hariri, filho do premiê Rafic Hariri, assassinado em fevereiro, que obteve 72 das 128 cadeiras. As investidas americanas também estão sendo dirigidas ao ditador Hosni Mubarak, no poder desde 1981. Mubarak se comprometeu com eleições em que mais de um candidato possa participar - até hoje, elas foram referendos que sagraram sempre o atual presidente - , mas seu governo tem encarcerado e intimado a oposição, e a legislação eleitoral dá aos aliados de Mubarak poderes para impedir quem quer que seja de concorrer. Em sua visita ao Egito, Rice teve um inusual encontro com Ayman Nour, candidato à presidência, que passou seis semanas na cadeia. Vistos em conjunto, o revés no Irã e o caos no Iraque, países dominados pelos xiitas, não trazem bons augúrios para o governo Bush. As pressões pela democratização, que poderão dar mais frutos que a diplomacia da força, demoram a dar resultados - e eles não necessariamente agradarão Washington.