Título: O instituto da denúncia espontânea no STJ
Autor: Breno Ladeira Kingma
Fonte: Valor Econômico, 28/06/2005, Legislação, p. E2
"A vedação à denúncia não atinge todas as hipóteses relacionadas a tributos sujeitos a lançamento por homologação"
Segundo o artigo 138 do Código Tributário Nacional (CTN), na hipótese de haver infração à legislação tributária "a responsabilidade é excluída pela denúncia espontânea, acompanhada, se for o caso, do pagamento do tributo devido e dos juros de mora, ou do depósito da importância arbitrada pela autoridade administrativa, quando o montante do tributo dependa de apuração". No artigo fica definido ainda que "não se considera espontânea a denúncia apresentada após o início de qualquer procedimento administrativo ou medida de fiscalização, relacionados com a infração." O objetivo da regra é o de facilitar a ação arrecadadora do Estado e estimular o contribuinte a cumprir suas obrigações tributárias, concedendo-lhe em troca o benefício de não ser aplicável a ele qualquer penalidade. Todavia, apesar da clareza do dispositivo, a Receita Federal sempre entendeu que a denúncia espontânea não elide a aplicação da multa de mora, correspondente a 0,33% ao dia e limitada a 20% sobre o débito, mas tão somente a aplicação a multa de ofício, variável de 75% a 225%. O fisco também nunca aceitou o pagamento parcelado dos débitos para fins de configuração da denúncia e a aplicação do instituto em relação à exclusão das penalidades por descumprimento de obrigações acessórias (declarações, emissão de notas fiscais etc.). Ao julgar as ações dos contribuintes contra essas restrições, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), durante anos, permitiu a exclusão de todas as multas na hipótese de o contribuinte pagar seu débito, inclusive parceladamente, antes de qualquer procedimento de fiscalização, e manteve o impedimento em relação às obrigações acessórias. Nos últimos três anos, todavia, o STJ tem sistematicamente modificado seu posicionamento anterior, no sentido de praticamente inviabilizar a aplicação do instituto. Primeiramente, vedou a denúncia por meio de recolhimento parcelado (Recurso Especial nº 378.795). Posteriormente, apesar de entendimento consolidado anterior (Recurso Especial nº 169.738), entendeu pela impossibilidade de exclusão da multa na hipótese em que o contribuinte declarou anteriormente, por meio de Declaração de Débitos e Créditos Tributários Federais (DCTF), o montante do tributo não pago tempestivamente (Recurso Especial nº 624.772). Segundo o tribunal superior, nesses casos o fisco já teria conhecimento da inadimplência do crédito auto-constituído pela entrega da declaração, o que descaracterizaria a espontaneidade. Agora, o informativo do STJ número 233 diz não caber a denúncia nos casos de tributos sujeitos ao lançamento por homologação, procedimento em que o próprio contribuinte tem o dever de apurar a base de cálculo e calcular o montante devido do tributo. Nesse sentido, como quase todos os tributos são sujeitos a essa sistemática, na prática, a denúncia restaria inviabilizada em relação aos tributos federais - o Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ), a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) etc. Todavia, resta uma esperança à manutenção do instituto. Apesar de a leitura preliminar do informativo levar a crer que a denúncia espontânea é inaplicável a todas as hipóteses de tributos sujeitos a lançamento por homologação, a análise detida dos dois acórdãos citados como precedentes implica em uma conclusão diversa. No primeiro acórdão citado decidiu-se que "o instituto da denúncia espontânea exige que nenhum lançamento tenha sido feito, isto é, que a infração não tenha sido identificada pelo fisco nem se encontre registrada nos livros fiscais e/ou contábeis do contribuinte. Ela existe como incentivo ao contribuinte para denunciar situações de ocorrência de fatos geradores que foram omitidas, como é o caso de aquisição de mercadorias sem nota fiscal, de venda com preço registrado aquém do real."
Nos últimos três anos o STJ vem modificando seu posicionamento no sentido de praticamente inviabilizar a denúncia
Como se vê, o entendimento é o de que somente os tributos de conhecimento do fisco e/ou escriturados pelo contribuinte não podem ser objeto de denúncia. Nesse sentido, a própria decisão traz exemplos de tributos sujeitos a lançamento por homologação, cujos fatos geradores foram omitidos e em relação aos quais a denúncia se aplica. Assim, por exemplo, se o contribuinte não considera determinado fato como gerador do tributo, mas posteriormente percebe seu erro, declara o montante devido e recolhe o valor, a denúncia é perfeitamente aplicável, pois o débito não foi registrado originariamente e o fato não era de conhecimento do fisco. A segunda decisão citada no informativo, por sua vez, estabelece que "é reiterada a orientação das turmas que compõem a seção de direito público de que, em se tratando de tributo sujeito a lançamento por homologação, não se configura a denúncia espontânea, com a exclusão da multa moratória, quando o contribuinte declara e recolhe, com atraso, o seu débito tributário." Nesse caso, a leitura desatenta da ementa também deixa dúvida se, em relação a todos os tributos sujeitos a lançamento por homologação, a possibilidade de denúncia restaria afastada. Entretanto, conforme se verifica do voto do ministro, o crédito tributário, no caso sob análise, já havia sido registrado e não pago pelo contribuinte: "é pacífico o entendimento desta primeira seção quanto à incidência de multa moratória na hipótese de 'tributos devidos e cujos valores foram apurados em decorrência de auto-lançamento, isto é, por indicação do contribuinte, em sua própria escrita fiscal, como é o caso em exame' e recolhidos em atraso." Além disso, uma pesquisa acurada nas decisões desse processo demonstra que o contribuinte já havia declarado a ocorrência do fato gerador, conforme voto do ministro José Delgado: "A embargante, após lançamento constituído, débito lançado, pagou com atraso a dívida tributária." Em suma, conclui-se que a vedação à denúncia não atinge todas as hipóteses relacionadas a tributos sujeitos a lançamento por homologação, como a leitura apressada do informativo do STJ leva a crer, mas tão somente aos casos em que o contribuinte declarou ou registrou o tributo devido. Exatamente nesse sentido, aliás, decidiu, recentemente, a primeira turma do STJ (Agravo de Instrumento nº 492.896, publicado no Diário Oficial de Justiça de 5 de maio de 2005). Assim, a possibilidade de denúncia espontânea segue adiante