Título: Tarso quer negociar, em outubro, conversão de dívida em educação
Autor: Raquel Salgado
Fonte: Valor Econômico, 29/06/2005, Brasil, p. A2

O governo brasileiro quer seguir o exemplo da Argentina e converter uma porcentagem da dívida externa do país em investimentos em educação. A idéia é fazer acordos para que os credores abram mão de parte do pagamento da dívida e, em contrapartida, o Brasil investirá a quantia perdoada em programas educacionais. Para o ministro da Educação, Tarso Genro, "não resta a menor dúvida de que é possível fazer a conversão da dívida por educação". Mas ele pondera que esse é um trabalho orquestrado, "uma relação de cooperação bilateral ou multilateral que depende da vontade política dos negociadores". Genro participou do seminário "Educação e Investimento: Conversão da Dívida para o Desenvolvimento", organizado pelo Valor em parceria com o Ministério da Educação (MEC), Fundação Getúlio Vargas (FGV), Bovespa, Organização dos Países Ibero-Americanos (OEI) e Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco). O ministro acredita que as primeiras conversações com credores podem ocorrer em outubro deste ano, quando o país se reunirá com o Clube de Paris. "Devemos para esses países e podemos pedir para que cooperem conosco e destaquem parte da dívida para o investimento em educação", diz. Outra opção seria negociar com o Banco Mundial. No entanto, resultados concretos só devem ser obtidos a partir do próximo ano, ressalta o ministro. Questionado sobre qual seria o interesse dos credores em ajudar os devedores, Genro afirma que a globalização tem caminhado de forma a aumentar a diferença entre países ricos e pobres e também tem ampliado as diferenças sociais internas nos países menos desenvolvidos. Nesse cenário, "não há nenhuma garantia de cumprimento dos contratos". Ou seja, os países credores precisam ajudar a fortalecer a economia dos mais pobres para que possam receber o montantes que lhes é devido. Em janeiro deste ano, a Espanha ofereceu à Argentina o perdão de 68 milhões de euros, cerca de US$ 100 milhões de uma dívida total de US$ 1 bilhão. O ministro da educação da Argentina, Daniel Filmus, um dos expositores do seminário, disse que esse dinheiro será investido na criação de vagas escolares para crianças entre 12 e 14 anos, idade na qual se concentra o déficit educacional dos jovens do país. Filmus explica que a América Latina precisa investir bilhões por ano em educação para atingir o objetivo proposto pela Organização das Nações Unidas (ONU) de garantir que, até 2015, todas as crianças, tenham o ensino básico completo. O ministro argentino lembra, contudo, que os 12 países latino-americanos gastam hoje mais com os serviços da dívida do que com educação. "No Brasil, o pagamento com serviços da dívida é maior do que a soma dos gastos com saúde e educação". Assim como a Espanha, a Alemanha também perdoou dívidas. Em março deste ano, o governo alemão cancelou um débito de 48,5 mil euros da Indonésia e esse país usará metade do dinheiro para financiar o treinamento de professores e a construção de escolas de ensino médio. Política semelhante foi realizada com o Paquistão, que teve 26 mil euros perdoados em troca do investimento de 13 mil euros em bibliotecas e equipamentos. Para José Márcio Camargo, da consultoria Tendências e economista da PUC-RJ, será difícil negociar com organismos multilaterais como o Clube de Paris e o Banco Mundial. "Muitos países vão querer fazer a conversão de dívida e os órgãos terão que eleger quais serão contemplados." Ele sugere que as empresas que queiram investir em projetos de educação sejam parceiras do governo nessa conversão da dívida. "A taxa de retorno do investimento nessa área para o setor privado é alta, de 5% a 15%. O retorno social é ainda maior, pois educação gera renda, diminui a pobreza e permite maior crescimento econômico", diz.