Título: Governo articula apoio a choque fiscal
Autor: Claudia Safatle
Fonte: Valor Econômico, 29/06/2005, Brasil, p. A3

Conjuntura Estratégia é garantir aprovação de empresários e banqueiros para PEC do déficit nominal zero

Uma reunião entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o ministro da Fazenda, Antonio Palocci, e o deputado federal Antonio Delfim Netto (PP-SP), na segunda-feira, definiu a estratégia que o governo adotará para recrutar apoio político e empresarial para a proposta de déficit nominal zero. No dia 5 de julho, o deputado reunirá para um jantar cerca de 12 grandes empresários e banqueiros, além de mais de uma dezena de parlamentares dos mais diversos partidos que tenham sensibilidade para a discussão fiscal e de política econômica. Lá estarão também Palocci e o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo. Se a idéia de elaboração de uma proposta de emenda constitucional (PEC), para marcar um novo regime fiscal, for bem recebida pelos participantes desse encontro, ela será levada adiante. Frágil frente à crise política, o governo não quer colocar seu selo nessa iniciativa sem ter uma boa dose de garantia de que o Congresso Nacional vai aprová-la. Razão pela qual as articulações políticas em torno da proposta estão sendo feitas pelo deputado Delfim Netto. Ele foi encarregado, pelo governo, de organizar uma pressão de fora para dentro do governo e do Congresso, tendo como principal atrativo a percepção de que, a partir da proposta de emenda constitucional - que, a rigor, seria para produzir um "choque fiscal" - as taxas de juros poderão cair substancialmente. E, portanto, o horizonte de crescimento econômico se abrirá de forma singular. A emenda constitucional traria, se a proposta vingar, a meta de zerar o déficit nominal num determinado prazo de tempo (três ou quatro anos). O déficit nominal representa a necessidade de financiamento do setor público consolidado para cobrir as despesas correntes e os encargos com juros e amortização da dívida pública. Para levar o que hoje é um déficit na casa dos 3% do Produto Interno Bruto (PIB) para a situação de equilíbrio, será preciso cortar despesas públicas. Nessa direção, o governo promoveria uma limpeza no Orçamento da União, através da redução das receitas vinculadas (com o aumento da desvinculação das receitas da União, DRU, de 20% para até 40% das receitas totais). Também cortaria o número de ministérios, reduziria dos cerca de 20 mil para a casa dos 1.500 o número de cargos comissionados, congelaria os gastos de custeio para os próximos anos, redefiniria os gastos com saúde numa revisão da emenda constitucional 29, entre outras medidas. O sacrifício fiscal, num primeiro momento, portanto, seria mais intenso. Mas nunca se esteve tão perto do equilíbrio nominal. Cálculos feitos pelo economista do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Fábio Giambiagi, apontam para a possibilidade de se eliminar o déficit nominal até 2008, mantendo o superávit primário em 5% do Produto Interno Bruto ao ano, e com juros cadentes de forma gradual. Autor da proposta, o deputado Delfim Netto, que já esteve com o presidente Lula mais de três vezes nas últimas semanas para discutir sua operacionalidade, argumenta que tendo uma proposta de emenda constitucional aprovada pelo Congresso Nacional, que estabeleça a meta de equilíbrio nominal das contas públicas - o que significa dizer que a dívida líquida como proporção do PIB não crescerá mais - a tendência do mercado será antecipar a expectativa de queda da taxa de juros, abrindo o caminho para o Banco Central reduzir a taxa Selic de forma mais rápida e intensa. "Tirando a tensão que vem do governo, estarei dando as condições ideais para o Banco Central operar a política monetária dentro do regime de metas para a inflação". Com esse argumento, o deputado tem respondido ao temor do Banco Central, de que, ao elaborar essa proposta, a intenção de Delfim Netto é tutelar o BC no manejo da política monetária. Isso porque, frente à determinação constitucional de zerar o déficit nominal num determinado espaço de tempo, a tendência seria a dominância fiscal limitar o raio de ação da política de juros. Caso, por alguma eventualidade, o Banco Central tenha que aumentar a taxa básica de juros para enquadrar a inflação às metas, a variável de ajuste seria, na ótica de Delfim Netto, o corte de gasto para elevar o superávit primário ao tamanho da despesa gerada com a taxa de juros. Entre janeiro e maio deste ano, o gasto com juros correspondeu a 8,47% do Produto Interno Bruto. Há todo um cenário delineado para a execução dessa nova política, caso a PEC seja aprovada pelo Congresso. Na conversa com o presidente Lula, o deputado avaliou que a taxa de juros, nesse caso, poderia cair dos atuais 13% reais ao ano para a faixa dos 4% reais em questão de meses e não de anos. Isso liberaria cerca de R$ 70 bilhões das contas do Orçamento. A dívida pública mobiliária, hoje predominantemente pós-fixada, passaria com o tempo a ser majoritariamente pré-fixada. O crescimento advindo do renovado ânimo dos empresários em investir seria muito mais exuberante do que agora. Associado a isso, teria que haver uma revisão das tarifas efetivas de importação para melhorar a competitividade da economia e desmontar oligopólios. Equilíbrio fiscal e competitividade resumiriam a política que está sob discussão. Toda essa discussão envolverá uma mudança profunda na estrutura orçamentária, caso contrário o equilíbrio nominal não será sustentável. Com uma maior desvinculação das receitas orçamentárias, o governo terá que oferecer ao Congresso Nacional garantias de que executará o Orçamento aprovado.