Título: Câmara inclui até participação do presidente
Autor: Thiago Vitale Jayme
Fonte: Valor Econômico, 29/06/2005, Especial, p. A14

A câmara de conciliação criada pela Advocacia-Geral da União (AGU) para organizar e mediar a relação jurídica entre os órgãos da administração pública federal ainda está na fase de testes. A idéia do advogado-geral da União, Álvaro Costa, e do consultor-geral da União, Manoel Lauro Volkmer de Castilho, é criar um órgão de negociação onde os representantes das instituições possam sentar e debater uma solução consensual para o impasse. Durante a fase piloto da câmara, a AGU vai fazer uma triagem dos processos em tramitação nas cortes superiores para tentar buscar um acordo entre as partes, que inicialmente devem ter procuradorias ligadas diretamente à AGU. Serão analisados também os casos nos quais houver pedido de uma das partes para que a AGU interfira antes de ajuizada a ação na Justiça. As questões são debatidas na sede da AGU em Brasília com representantes dos dois entes da administração envolvidos no processo. Caso haja consenso, é determinado o fim do impasse. Se uma das partes hesitar, a AGU leva o tema ao presidente da República para encerrar o assunto. "O árbitro é o advogado-geral da União, que leva o caso ao presidente, mas a idéia é que ele seja decidido antes de chegar ao Palácio do Planalto", explica Volkmer de Castilho. Marcelo de Siqueira Freitas, consultor da União, é o responsável pelas reuniões entre as partes. Ele lembra da necessidade da mudança de mentalidade dos órgãos públicos. "A idéia é criar uma cultura de diálogo, pois a maneira de apreciar os casos é diferente e o objetivo final é evitar litigar em juízo", diz Siqueira. "Não é uma fórmula mágica, mas é importante saber que há como resolver as pendências sem ter os custos dos processos." A fase de testes da nova câmara da AGU já conquistou algumas vitórias na mediação de conflitos entre órgãos públicos. Um deles envolve a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), que há cinco anos recebeu uma notificação do INSS onde constava uma dívida de R$ 4 milhões pela suposta falta de recolhimento de contribuições previdenciárias. A procuradora-chefe da UFMG, Simone Bacarini, conta que foi até a câmara de julgamento do Conselho de Recursos da Previdência, mas não obteve êxito em nenhuma instância administrativa. O maior problema era a dificuldade na obtenção da Certidão Negativa de Débito para conseguir verbas para investimentos. "Esse é um documento essencial para a universidade, porque sem ele não se pode nem renovar os cursos de pós-graduação", diz Simone. Em 2004, já sem alternativas e prevendo uma longa disputa judicial, a procuradora enviou um ofício à AGU solicitando uma intervenção do órgão na briga. "Não era lógico dois entes da administração pública serem obrigados a recorrer aos tribunais para solucionar uma pendência", afirma. O caso da UFMG foi um dos primeiros a ser analisado na fase de testes da câmara de conciliação de autarquias da União e em poucos meses foi resolvido. O valor devido foi reduzido para R$ 2,6 milhões. Esse caso da UFMG é ainda mais importante pois foi o primeiro a contar com a participação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva por falta de consenso. Lula determinou que parte dos débitos não eram devidos pela instituição de ensino mineira. "Uma nova revisão será feita e não deverá ultrapassar R$ 500 mil", afirma Simone. "Um caso desses demoraria pelo menos dez anos para ser solucionado nos tribunais", diz. A câmara da AGU já conta com diversos casos em andamento depois que o advogado-geral Álvaro Costa enviou ofício a todas as procuradorias do país pedindo atenção à mediação feita pelo órgão. "Os resultados até agora são muito satisfatórios", diz o consultor Marcelo de Siqueira Freitas. Em um dos casos resolvidos pela câmara foram menos de seis meses para que se chegasse a uma solução do conflito envolvendo o INSS e a Fundação Nacional de Saúde (Funasa), também em relação ao pagamento de contribuições previdenciárias. Iniciado em setembro de 2004 e encerrado em fevereiro de 2005, o caso foi resolvido com a própria Previdência Social reconhecendo que havia vício nos lançamentos dos valores. Salas comerciais no Rio de Janeiro são fruto de outra ação na qual o INSS é parte, desta vez contra o Ministério da Saúde. A pendência é muito antiga. O INSS tem as chaves dos imóveis mas não os utiliza e o ministério reivindica o uso do espaço, mas a legislação não permite a sessão de salas por parte do INSS de forma gratuita. O caso ainda depende de outros encontros entre as partes na AGU para ser resolvido. Novos casos chegaram nos últimos dias para serem analisados pela AGU e ainda estão sem solução. A Infraero, administradora dos aeroportos brasileiros, responde a uma ação movida pela Universidade Federal de Alagoas (UFAL), que alega que houve danos a algumas de suas cargas causados nos aeroportos. Outra ação também envolve a Funasa, dessa vez contra o Ministério da Fazenda, que cobra da fundação contribuições ao Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (Pasep). Três das ações que estão sob mediação na AGU têm como parte o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). Em um deles a instituição reivindica na Justiça imóveis ocupados pela Polícia Rodoviária Federal em Brasília e algumas salas utilizadas pelo Ministério do Desenvolvimento Social. Embora a iniciativa de conciliação entre os órgãos da administração pública federal possa vir a desafogar o Judiciário, o ex-presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e coordenador do Gabinete de Assuntos Institucionais do Supremo Tribunal Federal (STF), Flávio Dino, prefere destacar a importância da mudança de cultura da administração pública. "É uma iniciativa positiva para tentar diminuir a sobrecarga, mas não se pode dizer que vá alterar significativamente o quadro, pois estamos falando de pouco mais de três mil ações", diz. Ele lembra que a mediação da AGU poderá dar respaldo ao acordo feito pelos órgãos públicos, já que, por lei, a administração pública precisa recorrer de todas as ações judiciais. "Uma mediação com o carimbo da AGU dá segurança ao administrador de que, ao realizar o acordo, não terá problemas com o Tribunal de Contas da União (TCU)", conclui. (TVJ)