Título: Lisboa vai tentar desatar o 'nó' do IRB
Autor: Janes Rocha
Fonte: Valor Econômico, 29/06/2005, Finanças, p. C8

Resseguros Novo presidente da estatal tem a missão de abrir o mercado à concorrência até o fim de 2005

O economista Marcos Lisboa, presidente do IRB-Brasil Re, espera concluir, até o fim de 2005, um projeto completo para abertura do mercado de resseguros brasileiro à concorrência local e internacional. Para isso, ele terá que desatar o nó em que se transformou o IRB, um dos últimos monopólios de resseguros do mundo. Em entrevista ao Valor na sede do IRB, no Rio, Lisboa disse que o governo estuda modelos para separar as atividades de monopolista que detém o poder de regular sua própria atividade, além de ser uma sociedade anônima que abriga e gerencia políticas públicas. Lisboa chegou ao IRB há um mês, no meio da "tormenta" que atingiu a estatal, com as denúncias feitas pelo deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ), de que o partido usava a estatal para levantar dinheiro junto a empresários, por meio de tráfico de influência de corretores junto à ex-diretoria do IRB. Ele que, até sair da Secretaria de Política Econômica (SPE) do Ministério da Fazenda, era o presidente do Conselho de Administração do IRB, diz que "nunca recebeu nenhuma denúncia". Na sexta-feira passada Lisboa encaminhou ao Ministério Público o relatório da comissão de sindicância interna que apurou as irregularidades na estatal, e preferiu não se estender no assunto. "Minha missão é preparar a empresa para a abertura do mercado", afirmou. Veja a seguir os principais trechos da entrevista. Valor: Marcos Lisboa: A missão mais importante é preparar a empresa para um cenário possível de abertura. O governo encaminhou um projeto de abertura do mercado ressegurador em maio, que está sendo discutido pelo Congresso. Minha missão aqui é fortalecer a empresa para que ela possa conviver no mercado em que ela vai ter competidores. Esse trabalho requer algumas medidas prévias. Valor: Quais medidas? Lisboa: Hoje o IRB tem uma situação bastante peculiar. Tem o monopólio das operações de resseguro no Brasil, é responsável pela regulação de sua própria área de atuação e executa e gerencia uma série de políticas públicas. É uma Sociedade Anônima, que tem como sócios a União e as seguradoras, fazendo políticas públicas, a regulação do mercado e tendo o monopólio. É preciso desatar esse nó. Valor: Quais são essas políticas públicas? Lisboa: Uma série de programas: crédito à exportação, seguro rural, riscos nucleares e até programas públicos que o IRB ou gerencia o fundo que dá base a estas operações ou executa a política. Valor: A idéia é separar estas três funções? Lisboa: A própria empresa que tem o monopólio fazer a regulação de seu mercado sugere uma dificuldade. Como em outras áreas como a de petróleo, a própria área de seguros e outros setores regulados, o ideal é que a regulação seja feita por um órgão de Estado, uma agência de Estado. No caso, o natural é que a Susep (Superintendência de Seguros Privados) e o CNSP (Conselho Nacional de Seguros Privados) cuidem desse papel e isso é o que prevê o projeto de lei encaminhado ao Congresso. Então há uma etapa importante de ser feita, que é criar uma parceria com a Susep, para que as próximas medidas regulatórias venham a ser feitas em conjunto IRB-Susep, unificando todo o desenho regulatório do seguro ao resseguro. Em segundo lugar, é preciso discutir um pouco esse papel de política pública feita por uma empresa Sociedade Anônima. Valor: Será criado um novo órgão para as políticas públicas? Lisboa: Estamos discutindo com o governo qual a forma mais adequada de encaminhar estas questões. Valor: O que você acha? Já tem um desenho na cabeça? Lisboa: Temos vários desenhos possíveis. Vamos pegar exemplos de outras áreas. Na área do sistema financeiro tem uma empresa 100% pública que é a Caixa Econômica Federal, que é responsável pela execução de várias política públicas. Algumas são executadas direto pelos ministérios ou secretarias. A questão é analisar qual seria o desenho mais adequado e mais eficaz. Em terceiro lugar, tem as atividades do IRB de ressegurador no mercado brasileiro. As seguradoras repassam riscos para o IRB que retém uma parte e transfere outra parte para resseguradoras internacionais. Seguindo a orientação do conselho de administração estamos permitindo agora que as empresas possam, em seus contratos facultativos, obter cotações do resseguro no exterior. Valor: O que não elimina a obrigatoriedade de que todas as propostas sejam autorizadas pelo IRB... Lisboa: É nossa obrigação legal, inclusive porque em muitos casos nós arcamos com o risco das operações. É preciso analisar em que medida essas operações podem gerar ou não risco para o patrimônio público. O que nós estamos permitindo é que as empresas possam obter uma cotação direta nos contratos facultativos no exterior, verifiquem qual o contrato mais eficaz, as cotações serão encaminhadas ao IRB que vai analisar procurando respeitar o interesse das partes envolvidas mas também o interesse da empresa. Valor: Qual o vantagem de se cotar a operação no exterior se ela tem de ser submetida ao IRB de qualquer maneira? Lisboa: Em primeiro lugar, quem paga por esse serviço (de cotação) são as empresas, então isso amplia o leque de opções e permite que elas tragam para o IRB as propostas que julgam mais adequadas ao seu negócio. Claro que se o IRB arca com parte do risco, é fundamental que faça uma análise, se as propostas estão adequadas às regras técnicas de garantia de nossas operações. Valor: O projeto de lei complementar para abertura do mercado, enviado pelo Executivo ao Congresso em maio, não previa a privatização do IRB. A intenção continua sendo mantê-lo estatal? Lisboa: O IRB está no Programa Nacional de Desestatização (PND). Mas qualquer decisão sobre controle acionário da empresa está subordinado à própria dinâmica de abertura do mercado, porque isso influencia o valor das ações. Por outro lado, não posso fazer qualquer manifestação sobre essa questão, por força de lei. O IRB tem acionistas públicos e privados e qualquer decisão tem de ser discutida previamente com os acionistas da empresa. Valor: Então a decisão de privatizar ainda não foi tomada? Lisboa: É uma decisão que tem de ser tomada pelo governo com seus acionistas privados. Mas a grande mudança é a abertura do mercado de resseguros. Se vai funcionar com uma empresa pública fazendo política pública, se vai ser uma empresa de sociedade mista competindo no mercado, são discussões secundárias em relação à grande questão que é o mercado aberto. Valor: Você acha que tem clima, hoje, para discutir o projeto de abertura do mercado de resseguros no Congresso? Lisboa: Nos meus dois anos e pouco de governo, vi essa discussão várias vezes. Volta e meia se discutia a maior ou menor agilidade, se a agenda econômica andava ou não andava... e foram aprovados a Lei do Mercado Imobiliário, a Lei de Falências, a reforma do Código Tributário Nacional, uma parte importante da Reforma do Código de Processos, as medidas de crédito do setor agrícola, enfim, um grande conjunto de medidas foi aprovado. Valor: É verdade, mas o IRB está passando por um processo em que foram constatadas diversas irregularidades, onde foi identificado uso do IRB para financiamento ilegal de partidos, tráfico de influência. Ainda assim, na sua opinião, há condições políticas para discutir a abertura no Congresso? Lisboa: Acho que é uma decisão que cabe ao Congresso Nacional. Houve uma série de eventos que cabe aos órgãos de Estado competentes avaliar, investigar. Mas estaremos à disposição para conversar e oferecer todos os subsídios que sejam necessários para o debate sobre a abertura. Valor: O projeto de abertura do mercado poderia entrar em uma agenda com a oposição para garantir a governabilidade? Lisboa: As decisões políticas cabem aos órgãos de administração política do governo, não me cabe manifestar sobre o tema. Valor: A abertura do mercado de resseguros está na mesa de negociações entre o Brasil e a União Européia, como "moeda de troca" para uma maior abertura do mercado europeu a produtos brasileiros. A negociação inclui abertura com privatização do IRB ou só abertura? Lisboa: Acho que o grande beneficiado com a abertura do mercado de resseguros é o Brasil. Valor: Mas é sabido que as grandes resseguradoras internacionais - e a maioria delas é de origem européia - é que têm interesse na abertura do mercado brasileiro... Lisboa: Não. Acho que quem se beneficia com a abertura é o Brasil, com a ampliação do leque de oportunidades disponíveis às nossas seguradoras, estímulo maior à concorrência do mercado, a diversificação e lançamento de novos produtos. Quanto à privatização, volto a dizer: essa é uma decisão dos acionistas que eu não posso discutir. Valor: Quando era titular da SPE você era também o presidente do Conselho de Administração do IRB. Você teve alguma informação sobre as irregularidades denunciadas pelo deputado Roberto Jefferson? Lisboa: Nunca me chegou nenhuma denúncia. O Conselho teve uma preocupação de melhorar as regras de governança corporativa. Foi feito um trabalho longo, concluído entre o ano passado e o começo deste ano, de criação de alçadas coletivas de decisão. A redivisão do organograma (subscrição, sinistros e colocação) visa separar quem faz a regra de quem executa a regra e de quem fiscaliza a execução