Título: CPI vence resistência petista e aprova quebra de sigilo de Marcos Valério
Autor: Maria Lúcia Delgado
Fonte: Valor Econômico, 30/06/2005, Legislação & Tributos, p. E1

Parlamentares do PT travaram uma das mais duras batalhas ontem com os oposicionistas nos bastidores da CPI dos Correios, mas não conseguiram evitar a quebra dos sigilos bancário, fiscal e telefônico do publicitário Marcos Valério Fernandes de Souza, sócio das agências DNA Propaganda e SMP&B. As licitações dos Correios, especialmente contratos de publicidade suspeitos. A sessão da CPI foi marcada ontem por horas de tumulto e sucessivas interrupções, com tensas reuniões a portas fechadas. Hoje a CPI retoma a sessão com a promessa de votar também a quebra de sigilos das duas agências de publicidade e da ex-secretária Fernanda Karina Somaggio. Sem condições de barrar a quebra de sigilo de Valério - aprovada por 21 votos na CPI -, governistas negociaram para estender o acesso às movimentações bancárias e fiscais de Marcos Valério aos últimos cinco anos. Só uma hora após o início da sessão da CPI ontem ficou acertado por consenso que Marcos Valério presta depoimento na quarta-feira, quando também será ouvida Fernanda Karina. Pode haver acareação. As agências de publicidade citadas têm contratos com a Correios, mas o objetivo central da convocação de Marcos Valério é investigar a denúncia feita pelo deputado Roberto Jefferson de que ele era um dos principais operadores do mensalão. O deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ) afirmou, sem provas, que Marcos Valério tem relações próximas com petistas e que o dinheiro do mensalão viria de relações promíscuas entre o setor privado e estatais. Além da quebra de sigilo de Marcos Valério (só a pessoa física, por enquanto), a CPI aprovou vários requerimentos em bloco, incluindo um que obriga o Banco Rural a enviar, em no máximo 15 dias, a relação de todos os saques realizados em dinheiro superiores a R$ 100 mil a partir das contas da SMP&B, de suas coligadas ou sócios. Esse requerimento é uma garantia à oposição de acesso a movimentações financeiras de Marcos Valério, caso haja problemas na quebra de sigilo. A oposição considerou crucial a atuação do presidente da CPI, Delcídio Amaral (PT-MS), e do relator, Osmar Serraglio (PMDB-PR), para viabilizar a convocação e quebra de sigilos de Marcos Valério. Em reuniões a portas fechadas na sala da CPI, Delcídio chegou a argumentar com os colegas petistas Ideli Salvatti (SC) e Maurício Rands (PE) que não havia condições de evitar o depoimento do publicitário. "Até parece que é o Bush que vai cair. Ele vai vir sim", disse o presidente da CPI. A sessão da CPI, marcada para as 10h, só começou às 10h47 com o anúncio de um calendário de convocações. Logo em seguida, foi suspensa para que se negociasse a aprovação de requerimentos referentes a convocações futuras, quebras de sigilo e obtenção de documentos. Veio à tona outro imbróglio. Mais uma vez a portas fechadas, os parlamentares, aos berros, não conseguiam chegar a um acordo. Os petistas não concordavam com a quebra de sigilo de Marcos Valério nem do ex-diretor dos Correios Eduardo Medeiros, que teria sido indicado para o cargo pelo secretário-geral do PT, Sílvio Pereira. Também não aceitaram colocar em votação o requerimento do relator que solicitava a relação de todos os saques acima de R$ 50 mil feitos em espécie por Marcos Valério, sua esposa Renilda de Souza, ou pelas agências SMP&B e DNA. Maurício Rands chegou a propor que os sigilos só fossem quebrados após o depoimento do publicitário. A reunião durou cerca de três horas. Como há de fato ligação entre as agências de publicidade e os Correios, e depoimentos já colhidos levantaram suspeitas sobre a licitude de contratos de publicidade, os petistas foram obrigados a ceder. "O que a oposição queria era mudar totalmente a linha de investigação. Não podemos deixar de investigar as denúncias contra Roberto Jefferson e nem contra o governo", justificou Rands. No plenário da CPI, o petista disse que a bancada é a favor da quebra de sigilo do publicitário, desde que com fundamentação adequada e acompanhado da quebra de sigilo de Fernanda Karina. "Me parece que o senhor é a favor de todos os requerimentos, desde que fiquem na prateleira", ironizou o deputado Antonio Carlos Magalhães Neto (PFL-BA). Diante de tanta confusão, o próprio presidente da CPI alertou para a ineficácia dos trabalhos. "Se não tivermos uma estrutura clara de investigação, essa CPI não vai dar em nada", lamentou Delcídio. Depois de aprovada a quebra de sigilo de Marcos Valério, os petistas também apresentaram de última hora um requerimento solicitando a relação de todos os contratos que as duas agências de publicidade mantêm além dos Correios. A estratégia do PT é mostrar que houve ligações das agências com o governo Fernando Henrique Cardoso e políticos do PSDB. O requerimento foi aprovado por consenso. "O PSDB não tem o menor problema que todos os contratos, com todas as agências, sejam investigados, só que o PT não permite a investigação porque foi no governo dele que se iniciaram as suspeitas de corrupção ", reagiu o deputado Eduardo Paes (PSDB-RJ). Enquanto governistas e oposicionistas debatiam, três ex-diretores dos Correios - Antônio Ozório (Administração), Eduardo Medeiros (Tecnologia) e Maurício Madureira (Operações) - ficaram quase 12 horas numa sala aguardando o interrogatório. Os dois primeiros serão ouvidos hoje e o terceiro terá seu depoimento remarcado. Às 14h, a CPI ouve Roberto Jefferson. Ontem, em Belo Horizonte, veio à tona a informação de que o Banco Rural perdoou, em 2003, uma dívida de quase R$12 Milhões da DNA, uma das agências de Marcos Valério de Souza. O Banco executou na Justiça uma dívida da DNA de R$13,9 milhões, mas acabou fechando um acordo amigável por R$2 milhões. O processo foi desarquivado para averiguação. De acordo com Jefferson e de Fernanda Somaggio, o dinheiro para o esquema do mensalão era sacado nos caixas do Banco Rural. O Banco e a DNA confirmaram o acordo, mas não detalharam a operação. (Colaborou Ivana Moreira, de BH)