Título: Contribuições para campanhas refletem interesses de empresas
Autor: Tatiana Bautzer
Fonte: Valor Econômico, 25/10/2004, Internacional, p. A-8

A rede de contribuições de campanha nos Estados Unidos mostra claramente os diferentes interesses econômicos envolvidos nas plataformas dos candidatos republicano e democrata. Além da tradicional vinculação dos republicanos a empresas de defesa e do relacionamento dos democratas com a indústria de entretenimento, as propostas para pesquisa científica, reforma da Previdência e do sistema de saúde resultarão em mudanças que representam bilhões de dólares em receita no país. Por isso, alguns dos setores envolvidos, como universidades e bancos, estão entre os maiores contribuintes para as campanhas eleitorais deste ano. Segundo analistas do mercado financeiro, uma Presidência do democrata John Kerry beneficiaria as ações de empresas de biotecnologia - especialmente as companhias que pesquisam genética, que teriam mais liberdade para usar células embrionárias, as chamadas células-tronco. O governo republicano se recusa a usar dinheiro público para financiar pesquisa com células-tronco com origem em embriões, pela sua posição contrária ao aborto. Só são permitidas pesquisas com linhas de células já existentes.

O candidato democrata diz ser favorável à "pesquisa ética" com células-tronco e que retiraria a proibição. Embora não haja nenhuma comprovação disso por enquanto, essa pesquisa pode resultar em terapias gênicas para o tratamento de câncer, mal de Parkinson e diabetes, que valeriam bilhões de dólares. Segundo um relatório do grupo Susquehanna Financial, seriam beneficiadas as empresas StemCells, Celgene, Geron e LifeCell. Um governo Kerry também beneficiaria os hospitais, hoje altamente endividados e lidando com inadimplência. Uma expansão do sistema público de saúde poderia melhorar a situação de grupos como Tenet Health Care ou Triad Hospitals. O apoio da comunidade científica à candidatura Kerry foi expresso não apenas em cartas públicas de cientistas, mas também em generosas contribuições para a campanha democrata. Grandes universidades como Harvard, Stanford e Universidade da Califórnia estão entre os maiores doadores de recursos ao democratas (veja quadro ao lado). Num segundo mandato de Bush, seriam beneficiadas as seguradoras e empresas privadas de saúde, pois o presidente defende soluções via setor privado para reduzir os custos de saúde, com subsídios a empresas para competir com o sistema público. Segundo o grupo Susquehanna, seriam beneficiadas empresas como United Health, Cigna, Aetna e Amerigroup. As empresas semipúblicas de financiamento imobiliário, Fannie Mae e Freddie Mac, com bilhões em ativos, seriam pressionadas durante um segundo governo Bush a mudar os critérios contábeis e enfrentariam um regulador mais crítico de seus balanços. As empresas devem expandir-se num governo democrata, que quer aumentar o total de financiamento imobiliário. Por outro lado, bancos e administradores de fundos seriam beneficiados pela política que provavelmente seria adotada num segundo governo Bush, de criar contas isentas de impostos para investimentos a serem usados para pagamento de despesas médicas e aposentadoria pública. Relatórios de analistas mencionam como possíveis beneficiados pelo plano de privatização da Previdência pública as empresas Janus Capital Group, Franklin, T Row Price, Alliance Capital e Fed Investors. Os bancos tradicionalmente doam recursos para as duas campanhas, mas são os maiores contribuintes para a campanha de Bush. Os valores doados para o republicano também são maiores. Segundo dados do Center for Responsive Politics, que monitora o financiamento de campanhas eleitorais, o Morgan Stanley, por exemplo, doou US$ 175 mil para Kerry e US$ 591 mil para Bush. O Goldman, Sachs, US$ 285 mil para Kerry e US$ 368 mil para Bush. O Citigroup, maior banco do mundo, doou US$ 266 mil para Kerry e US$ 309,3 mil para Bush. O banco suíço UBS doou US$ 207 mil para Kerry e US$ 445 mil para Bush. Dos 20 maiores doadores para Bush, 12 são grupos financeiros. No caso de Kerry, são apenas 6. A defesa, por Kerry, da manutenção do direito de pedir indenizações milionárias por erros médicos ou responsabilidade corporativa faz com que apareçam como grandes doadores da sua campanha escritórios de advocacia. O candidato a vice-presidente, John Edwards, é um bem sucedido advogado na área. Se reeleito, Bush proporá legislação limitando o total de indenizações que pode ser concedido. Ainda na área de saúde, os dois candidatos têm plataformas diferentes sobre como tratar a questão dos altos custos de remédios no país. Sem controle de preços do governo, os EUA são hoje a principal fonte de receita das grandes empresas farmacêuticas. Kerry quer estimular a importação de remédios do Canadá, onde há controle de preços, para forçar alguma redução, e dar poder ao governo para negociar preços melhores em compras de grandes lotes de medicamentos. Entre as companhias que poderiam ter lucros reduzidos por esta política estão Bristol Meyers, Pfizer, Merck, Abbott, Schering-Plough, Novartis e Forest Labs. O democrata e o republicano afirmam que vão estimular a produção de genéricos, mais baratos que os remédios de marca, reduzindo o prazo para aprovação de produção. Mas Kerry seria provavelmente mais agressivo, o que beneficiaria empresas como Teva Pharm, Mylan Labs, Alpharma, Watson Pharm ou IMPAX.