Título: País mantém sob controle estatal até fábrica de uísque
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Fonte: Valor Econômico, 25/10/2004, Internacional, p. A-9

Na contramão da onda de privatizações dos anos 90, o Estado uruguaio preservou o controle sobre a comercialização de recursos energéticos e manteve sua participação no setor de serviços públicos, como telefonia, água e eletricidade. Mas o país que ficou conhecido como a "Suíça da América Latina" foi além, e é proprietário de uma companhia cujo carro-chefe é o uísque Mac Pay "etiqueta negra". A empresa Caba (Comercializadora Ancap de Bebidas Alcoólicas) é financiada 100% por capitais do Estado e, além de uísque, produz aguardente de cana, run, gin e grapa. "Nosso uísque tem uma qualidade que não deve nada aos escoceses de preço mais baixo", afirma Ricardo Petrone, gerente-geral da Caba, que é uma subsidiária da estatal de combustíveis Ancap. Petrone explica que no momento a Caba está se recuperando de uma experiência frustrada de associação com uma companhia escocesa, que terminou depois de dois anos, em 2002, e resultou em prejuízos acumulados de US$ 2 milhões. Segundo ele, desde o fim da associação, o Mac Pay vem ampliando sua participação no mercado de uísques nacionais a um ritmo de 7% ao ano e hoje já é a segunda marca mais vendida no Uruguai. Com esta e outras marcas, a Caba detém 20% do mercado de uísques nacionais do país. Ele prevê que, com a recuperação da economia local, haverá mais espaço para crescer. "Há alguns tipos de bens que são prioritários sobre outros. Ainda não chegou nossa vez de desfrutar da reativação. Se eu tenho dinheiro, tenho primeiro que comprar roupa para meus filhos, dar-lhes de comer, e depois virão as outras coisas", diz Petrone. A Caba existe desde 1931, quando a Ancap comprou e estatizou todas as destilarias do país. Até 1996, a empresa tinha o monopólio sobre a produção e comercialização da maioria das bebidas destiladas, como grapa, run e aguardentes de cana. No final de 1999, a companhia se transformou em uma sociedade anônima e se associou com a escocesa Morrison Bowmore, com 50% de capitais estrangeiros e 50% do Estado. A associação, que não foi bem-sucedida, durou até 2001. "Os objetivos do sócio não eram os mesmos que havíamos combinado na assinatura do contrato. Eles trataram de levar adiante seu verdadeiro objetivo, que era o de usar nosso mercado como entrada para o Mercosul dos produtos deles, não potencializar o nosso mercado", diz Petrone. A partir de 2002, a empresa voltou a operar com 100% de capital nacional, mas manteve a modificação do processo de gestão que havia sido implementada em 1999. Apesar de operar com capitais públicos, a Caba é gerida como uma empresa privada: seus funcionários não são funcionários públicos e as compras da empresa, por exemplo, não são feitas por meio de licitação. "O desenvolvimento desse tipo de atividade requer uma liberdade difícil de ter no regime público", explica Carlos Basanta, gerente comercial da Caba. Petrone considera que a experiência frustrada de gestão compartilhada com o setor privado na Caba serviu como referência para que a população anulasse em plebiscito, no ano passado, uma lei que permitia a associação da Ancap com outras empresas e pretendia encerrar o monopólio da companhia na importação, exportação e refino de petróleo e derivados. O resultado do plebiscito da Ancap deu impulso à campanha da esquerda para as eleições que acontecem no domingo. No mesmo dia, os uruguaios vão opinar outra vez sobre a possibilidade de manter ou não a abertura de outro setor, o de águas, à iniciativa privada. "Há diferenças, mas em geral as empresas públicas tem uma imagem bastante boa junto à população", diz Fernando Antía, que dirige o Instituto de Economia da Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade da República. Junto com o voto a presidente, senador e deputado, os uruguaios também vão votar em um referendo que pode resultar no veto à participação do setor privado nos serviços de água e esgoto. Atualmente, a Constituição do país permite que cooperativas e empresas privadas administrem o serviço, mas o sindicato dos trabalhadores do setor impulsionou a consulta popular para garantir o monopólio público. Segundo pesquisas, a maioria deve optar pelo controle estatal do serviço. Para os nacionalistas que queiram brindar a provável vitória no plebiscito com o uísque estatal, os executivos da Caba garantem um amanhecer sem ressaca e dor de cabeça. "Não tem problema. Sem dúvida, dá para tomar uma garrafa inteira do etiqueta negra que não acontece nada", diz Basanta.