Título: TJLP e taxa Selic em alta inviabilizam investimentos
Autor: Newton de Mello
Fonte: Valor Econômico, 25/10/2004, Opinião, p. A-10

Na edição do Valor de 8 de outubro, o presidente do Ibmec, Claudio Haddad, apoiou, em artigo, a decisão do Conselho Monetário Nacional (CMN) de rejeitar o pedido do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) de redução da Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP) para 8% ao ano - atualmente é de 9,75%. É importante destacar que a decisão do Conselho vai contra os anseios do setor produtivo, entre os quais a indústria de máquinas e equipamentos, que reivindica a redução da TJLP como forma de estimular os investimentos nesta fase de melhora dos indicadores econômicos. Respeitando a competência do articulista, tomamos a liberdade de discordar dos pontos de vista manifestados no artigo "Aos amigos tudo...", que no título já evidencia preconceito contra a própria missão do BNDES, que é a de viabilizar investimentos de longo prazo, através de financiamentos acessíveis à indústria, à agricultura e aos setores mais essenciais de serviços. A TJLP é utilizada por quem vai adquirir um bem de capital, seja uma máquina ou um equipamento produtivo, através de financiamento do BNDES, que permite o pagamento com os resultados da produção proveniente da aquisição do bem. Dessa forma, a taxa não pode ser tão elevada quanto a Selic, sob pena de assistirmos à redução dos investimentos a patamares medíocres, com efeitos nefastos de desemprego e crise social. Nunca é demasiado ressaltar que o Brasil necessita de uma taxa de investimento em torno de 25% para ter um crescimento auto-sustentado. No entanto, segundo dados recentes do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o nível de investimento na economia brasileira alcançou 18,9% no primeiro semestre deste ano, bem abaixo do necessário para a recuperação econômica. Criar indústrias, mecanizar a agricultura, extrair da terra ou do mar os recursos minerais, colocar máquinas e equipamentos para funcionar e produzir são atividades que reproduzem riquezas, geram empregos e tributos, para que o governo atue em atividades de sua competência. Por isso, a diminuição da TJLP abriria caminho para o aumento do emprego e da renda, conseqüências diretas do crescimento do investimento produtivo. Mais preocupante que a TJLP é o atual nível da taxa básica, a Selic, que se encontra em patamares extremamente elevados. Dando prosseguimento ao processo de ajuste dessa taxa, iniciado em setembro, o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central elevou em 0,50 ponto percentual a Selic, que passou para 16,75% ao ano, portanto, acima do esperado pelo mercado, que apostava em um aumento de 0,25 ponto.

O aumento da taxa básica de juros é uma maneira perniciosa de combater as ameaças de elevação da inflação

Além disso, o relatório Focus do Banco Central, que mede a expectativa das instituições financeiras com relação à Selic e outros indicadores, aponta que a taxa de juros básica irá terminar o ano em 17%. Trata-se de um claro sinal de que deverá haver mais dois aumentos de 0,25 ponto percentual nas duas próximas reuniões do ano ou aumento de 0,5 ponto em novembro ou dezembro. Nessas condições, a Selic só atrai investimentos externos de alta fluidez, que buscam as remunerações de curto prazo propiciadas pelos títulos governamentais. Em seu bojo, traz os efeitos adversos da supervalorização do real, do desestímulo às exportações, da substituição dos produtos nacionais pelos importados, do desemprego, da criminalidade e da emigração do nosso povo, que parte em busca de trabalho pelo mundo afora, mesmo na condição de ilegalidade. Os níveis atuais da taxa de juros são resultado de uma política neoliberal, cuja pretensão de que as livres forças do mercado globalizado trouxessem o bem-estar social a todos os países, inclusive o nosso, mostrou-se comprovadamente equivocada no Brasil e devastadora na Argentina. O primeiro governo de Fernando Henrique Cardoso, com seu Plano Real, conseguiu debelar a nefasta inflação, que nos assolou por décadas. Mas foi também nesse mesmo período que a paridade dólar/ real, associada às elevadíssimas taxas de juros, promoveu a maior substituição de produtos nacionais por importados, trazendo na esteira um maciço fechamento de empresas e aumento do desemprego, cujas seqüelas até hoje nos afetam. Na Argentina, a experiência de 12 anos de neoliberalismo e da insistência da sua política de priorizar a estabilidade da moeda, em detrimento das atividades produtivas locais, é o exemplo mais dramático do equívoco de uma tese que praticamente levou à destruição as atividades produtivas do país, e à miséria grande parte de seus habitantes. O aumento da taxa básica de juros é uma maneira perniciosa de se combater as eventuais ameaças de elevação da inflação. Seria mais saudável que esse controle fosse realizado através de medidas de aumento da oferta de produtos e não da compressão da demanda. As autoridades governamentais poderiam estudar formas de incentivo à produção, à colocação de mais bens no mercado. Como é possível perceber, não é a TJLP que vem afetando negativamente os investimentos produtivos no Brasil, mas, sim, a Selic, cuja elevação estimula o investimento financeiro, levando o país a caminhar na contramão das medidas necessárias para atender às urgentes necessidades sociais. É justamente a Selic que evidencia as fragilidades da economia brasileira, tornando difícil que os investimentos no setor produtivo e em máquinas tenham retorno em prazos estimulantes.