Título: Em baixa, esquerda quer adiar eleição na Bolívia
Autor: Rodrigo Uchôa
Fonte: Valor Econômico, 30/06/2005, Internacional, p. A11

Crise política Confusão na interpretação de nova lei de hidrocarbonetos

Em baixa nas pesquisas, o líder oposicionista boliviano Evo Morales, que esteve à frente dos protestos que derrubaram o presidente Carlos Mesa este mês, passou a advogar que o presidente interino, Eduardo Rodríguez, governe o país até 2007, adiando assim as eleições. "Temos de buscar uma figura jurídica para que Rodríguez fique administrando a Constituinte [como governante] até o final do ano que vem ou princípio do seguinte", disse Morales. Ele tem 8% das intenções de voto numa pesquisa Gallup. Seus correligionários mais otimistas falam em 15%. Nesse cenário de incertezas, o Congresso boliviano começou a debater o futuro político do país, com a convocação ou não de eleições gerais e de uma constituinte. Anteontem entrou em vigor a nova Lei de Hidrocarbonetos, que amplia a carga tributária sobre petróleo e gás natural para 18% de royalties e 32% de imposto direto (50% no total, contra 32% antes). A entrada em vigor da lei, junto com decretos que a regulamentam, gerou interpretação equivocada em meios de comunicação do Brasil, de que estaria havendo uma ocupação militar das petrolíferas e estatização do setor. O governo boliviano mandou os ministérios se coordenarem para assegurar que os impostos incidam corretamente sobre o gás e o petróleo, inclusive com a ajuda das Forças Armadas. Líderes políticos e empresariais bolivianos disseram ao Valor que "de maneira nenhuma este governo faria algo tão radical como ocupar instalações de companhias estrangeiras", pois o objetivo de Rodríguez é fazer uma transição pacífica para até as próximas eleições. Deputados bolivianos que pediram para não terem seus nomes citados disseram que a grande disputa agora não será quanto ao gás, mas sim quanto ao futuro próximo do país. "Tudo tem sua hora. Agora não é hora de criar mais confusão", disse um deles. Para o embaixador brasileiro em La Paz, Antonino Mena Gonçalves, não há "nenhuma notícia nova" nas medidas do governo. "Temos um contrato [de compra de gás] com a Bolívia que vai até o ano 2019. De nossa parte, será cumprido ao pé da letra", disse o embaixador, negando maiores distúrbios na relação entre os dois países. Com a nova carga fiscal, o governo espera arrecadar US$ 622 milhões por ano. Pela lei anterior, promulgada pelo ex-presidente Gonzalo Sánchez de Lozada, eram arrecadados anualmente US$ 321 milhões. As empresas petrolíferas que operam no país consideraram aceitável o novo nível de tributos. Mas persistem visões radicalmente distintas no país sobre como as reservas de gás e petróleo devem ser geridas. Os hoje apontados como favoritos numa eleição para a Presidência são o ex-presidente Jorge Quiroga e Evo Morales, líder do MAS (Movimento ao Socialismo). Como nova força política, surge ainda o "rei do cimento" do país, Samuel Dória Medina. Questionados pelo Valor sobre o que fariam na questão de hidrocarbonetos se eleitos, só Morales declara ser a favor da estatização: "Primeiro é necessário levar o gás à população pobre do país. Poderemos então exportar o excedente. A população não pode sofrer enquanto nossa riqueza se esvai para o exterior", disse o líder indígena, que teve 20,94% dos votos na eleição presidencial de julho de 2002. O ex-presidente Quiroga, engenheiro e administrador formado nos EUA, advoga a inserção do país nos mercados mundiais, ou seja, continuar exportando o gás e usar o dinheiro para políticas sociais. Já o economista Dória Medina é radical em favor da abertura do setor. Ele desafia até um tabu na política boliviana: usar o Chile como via de exportação. Essa idéia causa calafrios nos mais nacionalistas, que tratam o Chile como inimigo, por ter tomado a saída da Bolívia para o mar num conflito armado no Século XIX. Dória Medina preside a Soboce, que tem 50% do mercado de cimento do país e 33,34% da Francesa, que tem 25% do mercado. No ano passado, ele fundou a Unidade Nacional, com o objetivo claro de concorrer à Presidência.