Título: Há razões para a oposição apoiar uma agenda positiva
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 30/06/2005, Opinião, p. A12

No meio do tiroteio provocado pelas denúncias feitas pelo deputado Roberto Jefferson (PTB-SP), surgem duas iniciativas de bom senso. A primeira delas é a mediação feita pelo deputado Delfim Netto (PT-SP), para recrutar apoios "de fora" do governo para a proposta de déficit nominal zero. A outra é a proposta do governador de Minas, Aécio Neves (PSDB), para que os tucanos apóiem uma "agenda positiva" que retire o país e o governo do imobilismo. Se a oposição olhar menos para 2006 e mais para o país, as duas podem convergir para um mesmo esforço, de isolar a crise política a ela mesma e reduzir ao mínimo os seus efeitos sobre a economia. Resta saber como essas iniciativas serão acolhidas pelos agentes políticos. Os sinais de que Aécio Neves pode ter falado apenas em nome próprio, sem respaldo de seu partido, começaram a aparecer ontem. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, sem dúvida a maior liderança do PSDB, praticamente desautorizou o governador mineiro, ao afirmar: "Nós não temos razão para nos aproximarmos do governo. Nem o governo tem razão para pedir a nós que nos aproximemos". O ex-presidente está errado. Existem razões para isso - e a maior delas se chama Brasil. Aécio Neves não ofereceu adesão incondicional ao governo, mas o apoio a uma "agenda positiva". Ela incluiria, em princípio, a aprovação das reformas tributária e política no segundo semestre. Até onde a memória alcança, as duas mudanças constitucionais foram propostas também pelo governo tucano, que esteve oito anos no poder e não conseguiu apoio parlamentar, nem de seus pares, para aprová-las. Lembre-se que a maioria de FHC era muito mais confortável que a de Lula. Um entendimento suprapartidário em torno de questões importantes para o país é fundamental também para o êxito da articulação do deputado Delfim Netto. A proposta de zerar o déficit nominal em um prazo de quatro ou cinco anos tem como pilar a desvinculação das receitas orçamentárias. Ela depende de mudança constitucional. As outras medidas sugeridas para se chegar a esse objetivo - redução ao mínimo dos cargos de confiança do governo e o congelamento dos gastos de custeio - terão resultado marginal: são mais acenos políticos de que o governo estará comprometido, de fato e mesmo que os ventos lhe forem pouco favoráveis, com a meta de zeragem do déficit nominal. A proposta de desvinculação orçamentária não deveria causar espécie ao partido tucano, uma vez que FHC, nos seus oito anos de mandato, tentou desesperadamente se livrar da camisa de força imposta pela Constituição de 1988 à execução orçamentária. Conseguiu se livrar parcialmente dela utilizando como "gambiarra" uma emenda que permitiu preservar, em caráter excepcional, 20% da arrecadação das exigências de vinculação. É o que existe ainda hoje - e a proposta é que a desvinculação, maior do que 20%, seja a regra, não a exceção. A vinculação de receitas, recitava a equipe econômica do ex-presidente, é um obstáculo à gestão fiscal. Não é razoável que, em pouco mais de dois anos e meio, o ex-presidente tenha mudado radicalmente de opinião. A razão principal para fazer um acordo para a aprovação das três propostas é blindar a economia, enquanto o tsunami político não passa. Mas, para a oposição, podem existir outras. Em 2006, a oposição vai disputar o poder com o PT. Como a democracia pressupõe alternância de poder, e o PT não está no melhor dos mundos, é factível pensar que existem chances concretas de a oposição sentar na cadeira do presidente Luiz Inácio Lula da Silva a partir de 1º de janeiro de 2007. Se isso acontecer, as mudanças constitucionais introduzidas com a sua ajuda, num governo petista, facilitarão, sem dúvida, o seu trabalho de gerir o país. Além disso, deixar claro para os agentes econômicos que a economia anda e o governo governa, apesar de uma crise que estende seus tentáculos, a cada dia, para a maior parte do quadro partidário, interessa a todos. Principalmente aos partidos com chances de ganhar as eleições de 2006. Não está tão longe para que se tenha apagado da memória o contágio das eleições de 2002 sobre uma economia altamente vulnerável. A vulnerabilidade melhorou de lá para cá, mas uma contaminação política lenta, cozida ao longo dos 15 meses que nos separam da eleição, pode, sem dúvida, ter um efeito deletério sobre os seus fundamentos. Não será confortável, para nenhum partido, assumir o poder em meio a um ataque especulativo.