Título: Jogada de marketing
Autor: Otoni, Luciana
Fonte: Correio Braziliense, 20/03/2010, Economia, p. 18

Como maior corte de despesas em seus sete anos de governo, Lula acalma omercado e cumpre as metas fiscais. Ao mesmo tempo, mantém o poder defogo de tocar obras num ano eleitoral ao usar restos a pagar deorçamentos anteriores no valor recorde de R$ 70 bilhões

Como não existiam antes, as emendas parlamentares não farão diferença. Por isso, é um corte de vento Raul Velloso, especialista em finanças públicas

O corte de quase R$ 22 bilhões no Orçamento daUnião de 2010, anunciado anteontem, foi mais jogada de marketing dogoverno do que uma vontade efetiva de pôr freio nos gastos. Ao mesmotempo em que acalma o mercado, ao sinalizar que cumprirá a meta desuperavit primário (economia para pagar juros da dívida) de 3,3% doProduto Interno Bruto (PIB), ajudando no controle da inflação, oPalácio do Planalto continuará adoçando os eleitores ao manter o poderde fogo para tocar obras. Por meio de uma estratégia muito bem pensada,empurrou para este ano eleitoral R$ 70 bilhões em restos a pagar deprojetos que tiveram recursos empenhados (garantidos) em 2009. Ou seja, os investimentos, especialmente os de infraestrutura, nãoserão interrompidos quando a campanha estiver pegando fogo. Os restos apagar transferidos para este ano são recorde histórico e representamcinco vezes mais do que o verificado em 2008 (veja quadro abaixo). Porum lado, o salto reflete o aumento dos investimentos nos últimos anos.Mas por outro, são consequência de uma execução irregular diante dadificuldade da máquina pública em contratar serviços, tocar as obrascom velocidade e pagar os serviços realizados. Como os recursos estavam inscritos nos Orçamentos de 2009 e de anosanteriores e foram empenhados, não estão sob restrições. À medida queos serviços são executados, o dinheiro é liberado. O corte feito noOrçamento de 2010 não gerará dificuldades nos planos de investimentoporque os restos a pagar são altos e garantem a continuidade dosserviços, admitiu ao Correio um técnico do Ministério do Planejamento,certo de que os investimentos deslancharão a partir de abril. O corte de R$ 21,8 bilhões atende a algumas conveniências. Aprimeira, conforme o consultor Raul Velloso, foi adequar o Orçamento àrealidade. O Congresso inseriu despesas, via emendas parlamentares,que não constavam do projeto original. Então, serão esses os gastoseliminados. Como não existiam antes, não farão diferença. Por isso, éum corte de vento, disse. Ele ressaltou que os restos a pagar refletema deficiência de execução da máquina pública e distorcem o Orçamento.Está ficando exagerado demais. O contigenciamento também é conveniente porque fornece ao governoum forte mote para reforçar a mensagem de austeridade. Assim, em meio àexpectativa de aumento da taxa básica de juros (Selic) em abril, em seuúltimo ano, a gestão Lula sinaliza um freio nas despesas, de forma anão ser responsabilizada por exagero quando o próximo governo vier.