Título: AL supera crise da Argentina e volta ao mercado de euros
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Fonte: Valor Econômico, 25/10/2004, Finanças, p. C-1

O Brasil e os países da América Latina voltaram com força ao mercado de euros neste ano. As emissões brasileiras de títulos da dívida denominados na moeda européia cresceram mais de 100% na comparação com 2003, para chegar a US$ 1,842 bilhão, segundo o Valor Data. Os números para América Latina da Thomson Financial vão na mesma direção - um aumento de 38% com relação a 2003, para US$ 3,860 bilhões. Só neste ano o Brasil está conseguindo retomar os valores captados em 2001, de US$ 1,947 bilhão, antes da moratória argentina. Em 2000, foram captados US$ 2,566 bilhões. O não-pagamento dos títulos da Argentina aos investidores tipicamente de varejo - pessoa física - que sempre compraram os papéis da América Latina em euros significou um golpe de grandes repercussões no mercado, impactando a venda de títulos de todos os países da região. Agora, os investidores interessados em papéis em euro da dívida de emissores latino-americanos estão de volta, com muito apetite por risco e à procura de taxas de juros atraentes. Não é à toa. Para investir em um título do Tesouro alemão de dez anos o investidor recebe em torno de 3,9% ao ano. Descontada a inflação em euro, de 2,1%, o rendimento real é de 1,8% ao ano, lembra Luis Paixão, diretor de renda fixa internacional do Banif Primus. Para comparação, o rendimento do título do Tesouro brasileiro de vencimento em oito anos emitido neste ano foi de 8,7% a 8,17% ao ano na hora da venda (mercado primário). A Odebrecht vendeu também neste ano papéis de três anos pagando 7% ao ano. Foto: Magdalena Gutierrez/Valor

Luis Paixão, do Banif Primus: investidor europeu é menos instável e carrega o papel da dívida até seu vencimento

Mas os investidores italianos, que compravam cerca de dois terços dos papéis emitidos em euros pela Argentina, ainda não voltaram totalmente ao mercado, diz Paixão. Esses investidores costumavam comprar cerca de 25% das emissões de títulos do governo federal brasileiro. Neste ano, compraram em torno de 5%, conta. O Banif Primus ajudou a distribuir as duas emissões do Brasil em euros deste ano, no total de 1 bilhão de euros. Parte desse dinheiro veio de investidores que já tinham dívida brasileira: em 30 de setembro venceram 500 milhões de euros. Os detentores desses papéis receberam seus euros do governo brasileiro e investiram parte dele de novo no país. "Há uma forte liquidez no mercado de euros", diz Miguel Guiomar, diretor-executivo da área internacional de renda fixa do Finantia, que liderou a captação da Odebrecht, de 65 milhões de euros. Foi também neste ano que os investidores europeus passaram a ver com melhores olhos o governo Lula. O aumento na nota de crédito do país pelas principais agências de classificação de risco ajudou mais, assim como o resultado das eleições municipais, com a polarização entre PSDB e PT. "Os investidores europeus tinham medo de um governo mais à esquerda", comenta Paixão. "Agora, eles perceberam que no Brasil se repete o cenário político da Europa: um partido de centro esquerda disputando poder com um partido de centro direita, sendo que os dois adotam basicamente a mesma política econômica", completa. Muitos desses investidores, afirma, acreditam que em poucos anos o Brasil vai passar para a categoria de "investment grade", de baixo risco de crédito, podendo ter seus títulos adquiridos por investidores mais conservadores, como fundos de pensão e seguradoras, que, hoje, na Europa, não podem comprar papéis brasileiros. Para o emissor, os custos de captação caíram. "Tradicionalmente, captar em dólar é bem mais barato do que em euro e hoje está quase o mesmo preço", conta Augusto Urmeneta, diretor da Merrill Lynch em Nova York. No mercado secundário, a curva de rendimentos dos títulos do Brasil em euro e em dólares estão muito próximas. Na sexta-feira, o rendimento de um título do Tesouro brasileiro de vencimento em 2012 em euros era de 8,283% ao ano, na comparação com os 8,209% ao ano do título de mesmo vencimento em euros. Guiomar explica que no ano passado havia grande diferença entre os rendimentos pagos pelos papéis do Brasil em euros e os rendimentos dos títulos brasileiros em dólares quando se fazia a troca de indexadores da dívida, o chamado "swap". A empresa que tomasse uma dívida em euro e quisesse ficar com essa mesma dívida indexada ao dólar tinha de pagar um spread de 50 a 100 pontos básicos em 2003. No pico, chegou a pagar mais de 200 pontos básicos. "Neste ano essa diferença quase não existe mais", diz Guiomar. Segundo Paixão, o custo do "swap" hoje vai de 30 a 50 pontos básicos, na média do mercado, caindo para 15 a 20 pontos básicos nos prazos de até um ano e meio. "É quase o mesmo preço de emitir em dólar", afirma. Ficar com a dívida em euro sem "swap" para dólar pode ser perigoso, visto que a perspectiva do euro é de valorização contra o dólar segundo a maior parte dos analistas ouvidos pela "Bloomberg", pelo Valor e pela Merrill Lynch. A diversificação das fontes de captação de recursos é um dos principais objetivos das empresas e bancos brasileiros que emitem em euros, segundo Ricardo Gelbaum, diretor-executivo financeiro e da área internacional do BMG, que lançou neste ano títulos em euro pela primeira vez. Ele considerou o mercado "promissor", mas "menos ágil" que o de dólares. O BMG lançou 10 milhões de euros em setembro, mas conseguiu obter 16 milhões, em operação liderada pela BB Securities. "Há empresas brasileiras que já pensam em euros", disse Paixão, citando como exemplo a Odebrecht, que, segundo ele, faz visitas a investidores na Europa todo trimestre. Segundo ele, o investidor europeu, por ser justamente o investidor pessoa física, é menos instável, não compra e vende os títulos brasileiros com a mesma velocidade do que os investidores americanos. "Esse investidor costumar carregar o papel até o vencimento", conta. Os bancos e gestores de fundos mútuos também comprar papéis brasileiros em euros. Hoje, só 7,5% da dívida externa do Tesouro do Brasil é em euros, diz Paixão. "Para efeitos de diversificação de riscos dos seus passivos, o razoável seria de 12% a 15%", afirma.