Título: Proposta do déficit nominal zero é a saída para Lula, dizem cientistas políticos
Autor: Cristiane Agostine
Fonte: Valor Econômico, 01/07/2005, Política, p. A10

A crise política enfrentada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva levará o governo federal aceitar a proposta de zerar o déficit nominal, feita pelo ex-ministro Delfim Netto. A análise, realizada por cientistas políticos, revela que o PT deverá usar a responsabilidade fiscal e a manutenção da estabilidade como fiadores do seu mandato. Os problemas políticos, segundo os analistas, vêm desde a redemocratização e não serão resolvidos com a reforma política. Tampouco servirão de senha para um acordo entre PT e PSDB, partidos com diferenças "insuperáveis". Professor da Iuperj, Renato Lessa critica a austeridade da política econômica e analisa que o PT "está louco para comprar a idéia de Delfim". "O governo vai apresentar esse lado responsável, produtivo, com a manutenção da estabilidade. É o que sobrou para o governo, de esquerda", afirma. "Delfim propõe que o governo assuma a proposta porque é o PT que tem interlocução com as corporações". A proposta do ex-ministro filiado ao PP é considerada viável, mas poderá gerar uma equação difícil de ser resolvida por Lula em 2006, juntamente com o choque de gestão e o contingenciamento de gastos com custeio. "A única saída para Lula ganhar será o discurso e o marketing", diz Lessa. O cenário turbulento enfrentado pelo governo não é exclusividade do PT, nem da política brasileira. "Esquecemos, com amnésia irritante. Isso vem desde o governo Sarney e aparece no governo Lula com outras nuances", comenta o professor da Iuperj. O professor do departamento de ciência política da USP Fernando Limongi diz que é natural a percepção de que existe corrupção na relação entre o Executivo e o Legislativo, já que o governo brasileiro propõe 85% de todas as leis aprovadas. "É o Executivo quem legisla no Brasil. Não importa o presidente, a base aliada aprova 90% do que o governo propõe. Com isso, há suposição de que o sistema político não deveria funcionar, que só funciona com um aditivo que dá liga, um lubrificante. A tendência é desconfiar que isso exista", afirma. "Se a gente volta no passado e analisa todas as crises, essa suspeita de hoje sempre foi levantada. Minha impressão é que não tem nada a ver com a base de governo. É financiamento de campanha. Pagar para a base votar é um contra-senso, não faz sentido. O governo não sofre de carência de apoio. Só o PSDB e PFL posicionaram-se contra durante todo o governo. Dos outros, não tem problema de oferta de apoio", resume Limongi. Mesmo na linha de frente do embate, o PSDB não difere substancialmente do PT, dizem os cientistas. "Eles têm agendas iguais, não existe programa deste governo que não pudesse ser compartilhado com o governo anterior", analisa Lessa. Entretanto, ele vê com ceticismo o aceno do governador de Minas Gerais, Aécio Neves (PSDB) ao governo federal, depois de encontro com o ministro da Fazenda, Antonio Palocci, e o presidente e descarta a aproximação entre as duas legendas: "As diferenças são insuperáveis. Quando muda o interlocutor, muda o discurso. O PSDB paulista, que rege, não aceita nunca. A base não aceita". E comenta: "O jogo do PSDB é deixar o Lula na corda, sangrando, para derrotá-lo em 2006." A reforma política, proposta como tábua de salvação por políticos, não é a resposta adequada para se resolver o problema. De acordo com Renato Lessa, os "remédios políticos" são mais difíceis de serem usados do que a a reforma institucional. "Não há relação lógica entre a crise política e as mudanças institucionais. As mudanças não vêm para resolver a crise política." Com outras palavras, Limongi reforça o ceticismo sobre a reforma. "Já se propuseram muitas mudanças, todas com o mesmo sentido. Qualquer reforma sempre fala que vai fortalecer o partido e consolidar a democracia, sem que a relação causal seja discutida a fundo". O professor da USP considera que as reformas são usadas de forma oportunística e que o sistema de lista fechada garantirá a reeleição automática de 60% dos deputados. O resultado da crise para o governo ainda é indefinido e dependerá das revelações feitas pela CPI no Congresso. "A curto prazo o governo perde. Mas não significa que a oposição ganha. Precisa ver qual o grau de comprometimento dos partidos que denunciam, ver qual é a capacidade de blindar o partido, senão vai espirrar para todos os partidos e vai virar um jogo suicida", diz Lessa. Os analistas reuniram-se ontem, em São Paulo, para o seminário "Parlamento como questão democrática e a atual crise política brasileira", promovido pela Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo.