Título: Compromissos de longo prazo
Autor: Raquel Landim
Fonte: Valor Econômico, 01/07/2005, Eu & Investimentos, p. F1

Donas de escalas de produção expressivas e de bom fôlego financeiro, as grandes empresas foram as principais responsáveis pelo crescimento do comércio exterior brasileiro nos últimos dois anos. Essas companhias, brasileiras ou multinacionais, tiveram melhores condições de aproveitar a excelente combinação de crescimento da economia mundial e preços das commodities nas alturas, que perdurou em 2003, 2004 e durante o primeiro semestre deste ano. Economistas anunciam já há algum tempo o fim do "céu de brigadeiro" para as exportações brasileiras. E os primeiros "raios", ainda tímidos, é verdade, começaram a aparecer. O dólar variando entre R$ 2,3 e R$ 2,4 acendeu um sinal de alerta para as vendas de manufaturados, que mostram perda de ritmo. O fraco desempenho das economias da América Latina e a queda dos preços das commodities também preocupa. Sem fluxo de caixa para agüentar uma variação cambial tão desfavorável, as pequenas empresas estão perdendo contratos no exterior. São as grandes companhias que mantêm o superávit da balança comercial brasileira. Essas empresas estão amarradas a estratégias globais de fornecimento, querem honrar seus compromissos no exterior ou são exportadoras "naturais", produzem um volume de produção superior ao consumo interno. Para os especialistas ouvidos pelo Valor, apesar de um segundo semestre mais fraco, um bom desempenho para a balança já está garantido em 2005. Mas eles estão preocupados com o futuro, uma vez que as grandes empresas já começaram a interromper investimentos. As grandes companhias de capital nacional têm hoje entre 25% e 30% de seu faturamento proveniente de exportação, conforme estimativas do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi). Entre as multinacionais - que se instalaram no Brasil para explorar o mercado interno e hoje transformaram o país em plataforma de exportação - esse percentual fica entre 20% e 25%. Até 1999, período pré-desvalorização do real, esse índice não chegava a 15%. As exportações brasileiras saltaram 21% em 2003, para US$ 73 bilhões, 32% em 2004, para US$ 96 bilhões, e finalmente ultrapassaram a barreira de US$ 100 bilhões em fevereiro, considerando o resultado acumulado em 12 meses. De janeiro até 26 de junho, os embarques brasileiros ao exterior somaram US$ 51,97 bilhões, com alta de 23,6% ante igual período em 2004. A participação das exportações no Produto Interno Bruto (PIB) subiu de 6,7% em 1990 para 16% em 2004. Com pouco mais de 1% do comércio mundial, o Brasil ocupou a 25ª posição entre os exportadores mundiais em 2004. Graças à alta de 32% nas exportações, o país registrou a terceira maior taxa de crescimento entre os 26 maiores exportadores. Só não superou a China, que ocupa a terceira posição e cujos embarques saltaram 35%, e a Rússia, que também obteve alta de 35%, favorecida pelo aumento dos preços do petróleo. Esse forte crescimento provocou uma concentração das exportações brasileiras. De janeiro a abril, conforme os últimos dados disponíveis pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC), as empresas cujos embarques anuais superavam US$ 100 milhões representavam 45,8% das exportações totais do país. De janeiro a abril de 2004, essa participação estava em 41,1%. Em 1990, as grandes empresas significavam 39,17% do total. Segundo o secretário de Comércio Exterior, Ivan Ramalho, o governo prevê que as exportações brasileiras devem atingir US$ 112 bilhões, o que significa alta 16% em relação a 2004. Os analistas ouvidos pelo boletim Focus, do Banco Central, estimam uma média de US$ 110 bilhões para os embarques do país este ano. Mas não faltam estimativas mais otimistas que as do governo. A Fundação Centro de Estudos do Comércio Exterior (Funcex), por exemplo, revisou para cima suas previsões, para US$ 115 bilhões em 2005, um ganho de 19% ante 2004. Com importações de US$ 76 bilhões, um aumento de 21% ante 2004, o saldo comercial do país ficará em US$ 39 bilhões. "É um desempenho excepcional, melhor do que se poderia esperar", diz Fernando Ribeiro, economista da Funcex. O J.P. Morgan projeta embarques de US$ 113 bilhões no ano, uma alta de 17% ante 2004. Com importações de US$ 96 bilhões, o saldo comercial ficará, segundo o banco, em US$ 38 bilhões. De acordo com Júlio Callegari, economista da instituição, a exportação surpreendeu no primeiro semestre do ano. De forma geral, a combinação de crescimento do comércio global e bom desempenho dos preços das commodities vista em 2004 se repetiu. Por conta da demanda externa vigorosa, as empresas brasileiras elevaram os preços das exportações de manufaturados, compensando a perda de lucratividade com o câmbio. "Por enquanto, o crescimento do comércio mundial fez com que o Brasil vá além do que seu câmbio permite", diz Júlio Sérgio de Almeida Gomes, diretor-executivo do Iedi. Para os economistas, o segundo semestre será um período de desaceleração dos embarques. E os primeiros sinais começam a aparecer. O ritmo de crescimento das quantidades embarcadas de produtos básicos e manufaturados está arrefecendo. O quantum exportado de manufaturados aumentou 26% e o de básicos 14% em 2004 ante 2003, segundo a Funcex. Mas de janeiro a maio deste em relação ao mesmo período em 2004, o volume embarcado de produtos manufaturados cresceu 19,5% e o de básicos apenas 7,4%. Ribeiro atribui esse menor crescimento de embarques de produtos básicos à quebra da safra agrícola. Já o arrefecimento do ritmo de exportações de manufaturados é conseqüência da valorização do real e da limitação da capacidade produtiva de alguns setores, avalia o economista. Callegari espera uma consolidação desse cenário de desaceleração nos manufaturados nesta segunda metade do ano. O economista não acredita em uma depreciação relevante do real, pois a expectativa é que o Banco Central inicie um corte apenas sutil da taxa de juros. O economista também alerta para a acomodação do crescimento das economistas da América Latina, principalmente Argentina, México e Venezuela. A economia da Argentina, um dos principais clientes do Brasil para manufaturados, cresceu 4,5% no primeiro trimestre do ano e apenas 1% no segundo trimestre. Os Estados Unidos devem continuar crescendo em um ritmo razoável, mas abaixo do registrado em 2004. O J.P Morgan prevê alta do PIB americano de 3,7% esse ano, após 4,4% em 2004. Na avaliação dos economistas, o segundo semestre não guarda surpresas para o desempenho das importações, que devem continuar subindo em um ritmo expressivo. Ribeiro espera que a alta dos preços dos produtos importados, com destaque para o petróleo, compense o desempenho aquém do esperado da economia brasileira. Gomes de Almeida, do Iedi, acredita que as empresas estão trocando insumos nacionais por importados e que o atual patamar do dólar já começou a reverter o processo de substituição de importações vivido pelo país desde a desvalorização em 1999. "Não é o crescimento econômico que está provocando o aumento das importações, mas o câmbio", acredita o economista. Ele destaca, no entanto, que não se trata de um processo similar ao vivido no Plano Real, quando houve uma explosão de importações de bens de consumo. O atual crescimento das importações é baseado no aumento das compras de bens de capital e matérias-primas.