Título: O ajuste fiscal e o déficit nominal zero
Autor: Fabio Giambiagi
Fonte: Valor Econômico, 04/07/2005, Políticos, p. A11

Em artigo neste espaço, ano passado, defendi um superávit primário de 5% do PIB (Valor, 07/06/2004). Chegou a hora de voltar ao tema. Nas últimas semanas, a imprensa tem noticiado que setores do governo estariam cogitando a adoção de uma meta nominal para o déficit público com vistas, no futuro, a "zerar" essa variável. É necessário fazer uma distinção entre os conceitos de "meta indicativa" e de "variável de desempenho", em moldes similares à que era feita nos diversos programas do FMI. Imagine o leitor que toda a sua poupança é investida no mercado de ações e que, visando ter um patrimônio de, por exemplo, R$ 30 mil até 31 de dezembro, organiza suas finanças pessoais para poupar um valor mensal de R$ 1.000. O seu patrimônio em 31/12 dependerá de qual for a sua poupança mês a mês e da trajetória do índice Bovespa. A sua "meta indicativa" (desejável) é ter R$ 30.000 em dezembro, mas a sua "variável de desempenho" será quanto adicionará às suas aplicações a cada 30 dias em função da diferença entre o salário e os gastos. Será complicado, no dia a dia das contas a pagar, ajustar a sua poupança mês a mês, caso a trajetória da Bolsa evolua desfavoravelmente. Algo similar ocorre com as contas do governo. O objetivo, em última instância, é o de estancar o crescimento da dívida. Por quê? Porque o Brasil precisa fazer com as contas fiscais o que fez com o setor externo: reduzir drasticamente o endividamento. No dia em que chegarmos ao déficit zero, a relação dívida/PIB cairá rapidamente, pela ação combinada da inflação e do crescimento sobre o denominador, permitindo uma igualmente rápida redução do que o governo gasta com juros. Entretanto, postular essa meta indicativa (que é apenas um balizamento do que se entende como ideal) é diferente de adotá-la como critério de desempenho. Este terá que continuar a ser o resultado primário, porque é ele o instrumento de política sobre o qual se tem um maior grau de controle. A forma que nos parece mais apropriada de encarar esse tema é, primeiro, definir um horizonte tentativo para "zerar" o déficit, que poderia ser fixado em 3 anos (2008). Segundo, dado esse objetivo, adotar uma hipótese de trabalho plausível de redução da taxa de juros. E terceiro, à luz da trajetória suposta dos juros, estabelecer qual é o resultado primário consistente com o objetivo de eliminar o déficit. Uma vez estabelecida a meta primária, porém, ela será um dado, isto é, se a trajetória dos juros for diferente da prevista, o equilíbrio fiscal talvez tenha que demorar um ano a mais para ser atingido, uma vez que seria absurdo limitar o raio de manobra da política monetária "para não comprometer a meta nominal" (em nenhum país do mundo a política econômica funciona assim). Parece-nos razoável, considerando esse raciocínio, adotar as hipóteses da Tabela 1, o que implicaria convergir para uma taxa de juros real da ordem de 6% até o final da década - objetivo que soa tão correto quanto viável. Dadas as trajetórias da despesa de juros que isso implica, o superávit primário de 2006/2008 compatível com esse objetivo seria da ordem de 5,0 % do PIB. O dado mais interessante dessa simulação é que ela é perfeitamente consistente com a trajetória do resultado primário dos últimos 12 meses encerrados em maio, que foi exatamente de 5,0% do PIB. Se assumirmos, portanto, a repetição nos próximos três anos do mesmo resultado primário observado nos últimos 12 meses para o agregado de Estados e municípios e suas respectivas empresas estatais (1,3% do PIB) e conservarmos a hipótese que o governo tem adotado nos seus cálculos, de um superávit primário das estatais federais de 0,7% do PIB, teríamos uma soma de 2,0% do PIB, que iria requerer então um superávit do governo central de 3,0% do PIB (foi de 3,1% do PIB nos últimos 12 meses). A Tabela 2 mostra, para uma estimativa realista de receita e para a despesa do decreto de contingenciamento de abril, o que esse compromisso implicaria em termos do comportamento das variáveis em 2005. Assumiu-se para junho/dezembro uma receita 10% nominal superior à dos mesmos meses de 2004. Observe-se que a despesa real total cresceria ainda 4% em 2005. Em resumo, 1) a meta relevante é o superávit primário; 2) um resultado primário de 5% do PIB é viável; 3) ele é o melhor passaporte para o déficit zero; e 4) nesse caso, o déficit público poderia ser eliminado já em 2008. Um superávit primário em torno de 5% do PIB é a "mãe de todas as batalhas".