Título: A contribuição negocial e a reforma sindical em curso
Autor: Sergio Pinto Martins
Fonte: Valor Econômico, 04/07/2005, Legislação, p. E2

Na reforma sindical, uma das promessas de campanha do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, haverá apenas duas contribuições sindicais: a associativa, devida apenas pelos sócios do sindicato, e a negocial, que é decorrente da negociação coletiva, ainda que por meio de sentença proferida pela Justiça do Trabalho. Fica extinta a contribuição assistencial e qualquer outra existente sob igual hipótese de incidência ou base de cálculo. A contribuição negocial terá natureza privada, pois nenhuma parte da exação vai para o ente público, como ocorre com a contribuição sindical. Além disso, é obrigatória: o não-sindicalizado não poderá a ela se opor. Isso fere a Convenção nº 87 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que não prevê contribuição obrigatória. A comissão de peritos da OIT entende que, havendo imposição de contribuição sindical obrigatória, ocorrerá violação da Convenção nº 87, pelo fato de a pessoa ficar obrigada, de maneira indireta, a pagar compulsoriamente valores ao sindicato, sem ser a ele filiado. A OIT admite apenas que haja a estipulação de uma contribuição de solidariedade, por meio de convenção coletiva que a prever, em razão da aplicação "erga omnes" de suas vantagens a toda a categoria, sendo paga exclusivamente pelos não-associados. Seu desconto não pode, porém, ser superior a dois terços do valor devido pelos associados. Se se entender que a liberdade sindical é uma cláusula pétrea contida na Constituição Federal, a emenda constitucional que estabelecer a reforma será inconstitucional, pois irá contrariar a previsão do parágrafo 4º do artigo 60 da Constituição Federal. Hoje, a contribuição sindical incide sobre um dia de trabalho, segundo o artigo 580, inciso I da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Na prática, a base de cálculo é apenas o salário. Já a contribuição negocial não poderá ultrapassar 1% do valor da remuneração recebida no ano anterior ao do desconto e será paga, no mínimo, em três parcelas mensais, a partir do mês de abril, independentemente do número de contratos coletivos celebrados nos diversos âmbitos de negociação da entidade sindical. A base de cálculo da contribuição será o total dos rendimentos indicado no comprovante de rendimentos pagos e de retenção de imposto de renda na fonte, deduzidas as quantias relativas ao imposto de renda retido na fonte e às contribuições previdenciárias oficial e privada. A contribuição incidirá apenas sobre a remuneração decorrente do contrato de trabalho com a empresa, tanto que é ela que irá fazer o desconto, de acordo com a remuneração que pagou ao funcionário. A contribuição negocial dos empregados incidirá sobre a remuneração, que compreende o salário mais as gorjetas (artigo 457 da CLT). Todo o valor recebido pelo segurado na empresa terá incidência da contribuição, incluindo horas extras, adicional noturno, adicional de insalubridade, de periculosidade, de transferência, gorjetas, abonos, comissões, percentagens, diárias, ajuda de custo e gratificações. As deduções autorizadas serão a do imposto de renda na fonte e da contribuição previdenciária devida ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) oficial ou de previdência privada. É, por conseqüência, muito ampla a base de cálculo. Pode ser maior do que um dia de salário por ano. O artigo 48 do projeto de reforma sindical não quer dizer que a cada negociação a contribuição é devida, mas que, se feita a negociação, a contribuição é devida. Não parece que é devida uma contribuição em relação a cada negociação ou, se forem feitas várias negociações distintas por sindicato, federação, confederação, haverá uma contribuição para cada ato. Caberá à assembléia geral fixar o porcentual da contribuição (artigo 8º, inciso IV da Constituição). A prerrogativa da fixação é da assembléia geral do sindicato de empregados e não de outro órgão da agremiação. A federação, a confederação ou a central sindical não poderão fixá-la, pois não têm como órgão a assembléia geral, mas apenas a diretoria, o conselho de representantes e o conselho fiscal. A exceção diz respeito à hipótese em que não houver sindicato organizado no local, quando competirá à federação a exigência da contribuição. Não existindo federação, caberá à confederação a exigência da contribuição negocial. O quantum a ser fixado pela assembléia geral não há de exceder, porém, o custeio do sistema. Logo, a fixação pela assembléia geral deve atender ao princípio da razoabilidade, sob pena de se cometer abuso de direito, atendendo ao critério da necessidade-possibilidade. Será vedado às assembléias gerais fixar, por exemplo, contribuição diferenciada para associados e não-associados, pois iria ferir o caput do artigo 5º da Constituição. É de se destacar que o fato de se impor contribuição mais elevada para os não-associados implica uma forma compulsória de fazê-los associar-se ao sindicato, o que é defeso pelo inciso VI do artigo 8º do estatuto supremo, na nova redação. Os sindicatos não querem perder receita sindical, principalmente os de empregadores, que têm de manter suas sedes e outros custos, além de certos dirigentes pelegos na instituição, que fazem nepotismo, empregando parentes e querem ficar no poder por muitos anos. Assim, dificilmente a modificação das receitas sindicais será implementada no Congresso Nacional.