Título: Mantido impasse com EUA na briga do algodão
Autor: Tatiana Bautzer e Assis Moreira
Fonte: Valor Econômico, 04/07/2005, Agronegócios, p. B13

Os Estados Unidos anunciaram na sexta-feira mudanças em seus programas de subsídios ao algodão, em resposta à condenação pela Organização Mundial do Comércio (OMC) em disputa aberta pelo Brasil. Mas as medidas deixaram de fora o programa "Step 2", considerado pela diplomacia brasileira um dos mais distorcivos ao comércio porque paga ao produtor americano a diferença entre a cotação do produto no mercado internacional e o preço mínimo garantido. Tanto o Departamento da Agricultura dos EUA (USDA) quanto o United States Trade Representative (USTR), responsável por negociações comerciais, sinalizaram que devem tratar a questão do "Step 2", mas que quaisquer mudanças precisam passar pelo Congresso americano. Pedro de Camargo Neto, que quando esteve no Ministério da Agricultura do Brasil instigou o governo a iniciar a disputa contra os EUA na OMC, alertou que a manutenção do programa "Step 2" por Washington é quase como enterrar a Rodada de Doha da OMC, "porque não adianta negociar o que não vai ser cumprido". Ele não escondeu a decepção com o fato de o "Step 2", que paga a maior parte dos subsídios ao algodão dos EUA, sequer ter sido mencionado diretamente por Washington. "Essa ausência exige reação enérgica do Brasil e da África, porque o 'Step 2' é completamente ilegal, os EUA sabem que precisam elimina-lo e o mínimo que se esperava é que uma proposta nesse sentido fosse enviada ao Congresso", reclamou. Enquanto são fortes os indícios de que essa discussão tende a se prolongar, o USDA divulgou, na noite de quinta-feira, novas regras para programas de crédito, pouco depois da aprovação do acordo de livre comércio da América Central (Cafta) pelo plenário do Senado americano. Em comunicado, o secretário de agricultura Mike Johanns afirmou que as mudanças nos programas de crédito "demonstram que os EUA cumprem suas obrigações na OMC". Foi extinto o programa de crédito de longo prazo "Intermediate Export Credit Guarantee Program" (GSM-103). Conforme antecipou o Valor há duas semanas, o programa de crédito de médio prazo "Export Credit Guarantee Program" (GSM-102) também mudará a fórmula de cálculo de suas taxas. As taxas do crédito serão baseadas no risco do país para o qual o exportador está vendendo. O risco do país comprador também definirá a freqüência dos pagamentos (anual ou semestral) e o prazo do empréstimo. A mudança, segundo o USDA, responde à consideração da OMC de que as taxas dos programas deveriam ser baseadas no risco. Conforme Johanns, Washington "continua a avaliar outros passos que poderão ser tomados para responder à decisão [da OMC]". Respondendo a perguntas sobre o "Step 2", a assessoria do USDA informou que o departamento "está em contato com autoridades brasileiras" sobre as mudanças e há outras medidas em avaliação. O porta-voz do USTR, Richard Mills, afirmou que o governo está "avaliando quais passos podem ser tomados incluindo contato com o Congresso sobre possível ação legislativa". Mills disse que o governo vai "continuar trabalhando com a indústria e o Congresso, reconhecendo a importância das nossas ações em resposta à decisão da OMC sobre algodão". O porta-voz do USTR afirmou que o governo americano vai discutir as mudanças com o Brasil e que se o país não as considerar satisfatórias "terá que voltar ao painel para novos procedimentos, o que pode incluir pedido de retaliação. Esse processo pode demorar meses". Fontes diplomáticas afirmam que retaliar não resolve o problema, porque não traz receita aos produtores brasileiros prejudicados pelo subsídio americano, e que a retaliação provavelmente terá influência sobre importações não relacionadas diretamente à área agrícola. Ainda assim o Brasil poderá pedir à OMC aval para retaliar os EUA já amanhã. E a pressão para que os americanos eliminem todos os subsídios concedidos à exportação de algodão vai aumentar também por parte da África, onde quatro países - Benin, Burkina Fasso, Mali e Chade - têm apoio para isso por parte de organizações não-governamentais (ONGs). O mediador das negociações agrícolas no âmbito da OMC, Tim Groser, deixou claro em documento enviado a todos os países na semana passada que o fim dos subsídios distorcivos ao algodão é um teste-chave para se ter realmente dimensão de desenvolvimento na Rodada de Doha. Por isso, indicou Groser, é necessário que até o fim deste mês algo concreto ocorra no campo das reformas nos subsídios para o produto para que se tenha "alguma coisa crível" a mostrar.