Título: Despesa obrigatória consome receita livre
Autor: Mônica Izaguirre
Fonte: Valor Econômico, 05/07/2005, Brasil, p. A3

Contas públicas Orçamento vinculado soma R$ 408 bilhões, mas engessamento real alcança mais R$ 48 bilhões

A Secretaria de Orçamento Federal (SOF) calcula que, do total de receitas estimadas no orçamento aprovado para 2005, pelo menos 78,8% estão sendo ou serão aplicados por força de vinculações previamente definidas na legislação - e não por livre escolha do governo e dos parlamentares que o elaboraram. Esse, contudo, não é o único fator do engessamento orçamentário, problema ao qual o governo passou a dar mais atenção recentemente. Mesmo podendo ser atendidas por fontes carimbadas de receita, as despesas obrigatórias são de tal magnitude que consumem também parte das receitas de livre alocação. O percentual de vinculação calculado pela SOF leva em conta toda a arrecadação prevista na lei orçamentária deste ano para a administração federal, excluídas as decorrentes da colocação de títulos de dívida pelo Tesouro Nacional. Por esse critério, a arrecadação prevista chega a R$ 517,35 bilhões Mesmo já considerando o efeito do mecanismo de desvinculação parcial conhecido como DRU (Desvinculação de Receitas da União), nada menos do que R$ 407,9 bilhões desse total têm que ser gastos de acordo com uma série de vinculações constitucionais e legais. Somadas, as receitas originalmente livres (8%) e aquelas liberadas pela DRU (13,2%) representam só 21,2%, no caso, cerca de R$ 109,6 bilhões. Dependendo de como se comportarem receitas e despesas efetivamente, na prática o grau de vinculação poderá se mostrar maior ao final do ano. Em 2004, por exemplo, ficou em 80,1%. Conforme a SOF, entre impostos, contribuições, taxas, dinheiro de loterias, multas e outras modalidades são pelo menos 32 itens de receita com destino previamente especificado na legislação. As vinculações criam gastos obrigatórios. Por causa delas, o governo federal é obrigado, por exemplo, a transferir parte de sua arrecadação a Estados e municípios e a aplicar em educação 18% de todos os impostos (após descontadas a DRU e transferências constitucionais). Outras receitas vinculadas, como as arrecadada por agências reguladoras, podem até não ser totalmente gastas, mas tampouco podem cobrir qualquer outra despesa. Os gastos que o governo não pode evitar, porém, não se resumem aos decorrentes de vinculações. Há despesas obrigatórias pesadas sem fonte específica de receita para atendê-las. É o caso da folha de pessoal, prevista em R$ 91,8 bilhões no orçamento que saiu do Congresso. Uma parte dessa folha pode e vai ser paga com dinheiro carimbado. A exigência de aplicação de parte dos impostos em educação, por exemplo, pode ser cumprida pagando-se funcionários públicos do respectivo ministério. Da mesma forma, receitas carimbadas para a seguridade social podem servir para pagar a folha de pessoal dos três ministérios da área (Previdência, Saúde e Desenvolvimento Social e Combate à Fome). Ainda assim, pelo orçamento aprovado, cerca R$ 41,2 bilhões de receitas livres terão que ser usadas para pagar parte dos salários do funcionalismo em 2005, informa a SOF. Segundo a secretaria, chegam a R$ 48,5 bilhões os gastos obrigatórios que serão bancados por recursos não-vinculados, incluindo aqueles típicos da seguridade. Isso reduz a já pouca liberdade de governo e Congresso escolherem onde aplicar a arrecadação. Compostas principalmente pelo custeio do Sistema Único de Saúde e pelos benefícios da Previdência e da Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS), as despesas do orçamento da seguridade - fora pessoal - foram fixadas em R$ 202 bilhões para 2005. A não ser na hipótese de mudanças constitucionais drásticas, continuarão a crescer de forma "automática e autônoma", como define o economista Raul Velloso, especialista em finanças públicas. Isso, por três razões. Uma é o fato de a Emenda Constitucional 29 ter exigido, a partir de 2000, que as dotações orçamentárias para a saúde sejam corrigidas, anualmente, pelo mesmo percentual de aumento nominal estimado para o Produto Interno Bruto (PIB). Outra é o direito legal que as pessoas têm de requerer benefícios da Previdência ou da LOAS quando preenchem as condições exigidas na lei. Isso gera ingresso de novos beneficiários todos os anos. Há ainda o efeito do reajuste anual do valor do salário mínimo, ao qual estão vinculados tanto benefícios previdenciários quanto benefícios assistenciais da LOAS. Os estudos da SOF mostram que o aumento das despesas da seguridade, nos últimos anos, é, em grande medida, causa e não consequência do enorme grau de vinculação da arrecadação federal. Para custeá-las sem ter que dividir receita com Estados e municípios, o governo buscou criar ou aumentar as contribuições com destinação carimbada. Esse é o caso da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), instituída em 1996, uma das principais receitas vinculadas da União, cuja vigência vem sendo prorrogada. Inicialmente, esse tributo, que deve proporcionar arrecadação de R$ 29,5 bilhões em 2005, foi criado para custear só a saúde. Hoje está vinculado também à Previdência Social e a ações de combate à pobreza. Outro tributo vinculado com arrecadação expressiva (mais de R$ 87 bilhões este ano) é a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins), instituída pela Constituição de 1988. O mesmo vale para a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido das Pessoas Jurídicas (CSLL), igualmente criada pelo artigo 195 da Carta de 1988 e vinculada às despesas da seguridade social. A arrecadação da CSLL este ano está estimada em R$ 23,4 bilhões.