Título: Cerco à previdência
Autor: Catherine Vieira e Daniele Camba
Fonte: Valor Econômico, 25/10/2004, Eu & Investimentos, p. D-1

A Superintendência de Seguros Privados (Susep) abriu oito processos administrativos de investigação formal em três das maiores seguradoras do mercado. Segundo o superintendente da autarquia federal, Renê de Oliveira Garcia Júnior, todas as investigações envolvem irregularidades na venda de planos de previdência aberta do tipo Plano Gerador de Benefícios Livres (PGBL) ou Vida Gerador de Benefício Livre (VGBL). "Fizemos uma grande fiscalização nas empresas em função de várias reclamações e de material publicado na imprensa", disse Garcia ao Valor. "Por enquanto abrimos oito processos formais a partir de indícios concretos de irregularidades que foram encontradas, mas ainda podem ser abertos outros processos", avisa o superintendente, que não quis nomear explicitamente as empresas investigadas, mas deu sinais de qual é o foco da fiscalização da Susep. "Esse é um mercado concentrado, mais de 65% dele está nas mãos de três seguradoras", lembrou. De acordo com o ranking da Susep, a maior empresa do segmento de previdência complementar aberta é a Bradesco Vida e Previdência, que detém 36% do mercado por volume de contribuição. Em seguida vem a Itaú Prev, com 17%; em terceiro a Brasilprev, com 12%; depois a Unibanco AIG, com 9% e a Caixa Econômica Federal e o Santander, com 6% cada um. Procuradas, essas seguradoras não quiseram se manifestar sobre a investigação da entidade. O presidente da Brasilprev, Eduardo Bom Angelo, afirma que a instituição não recebeu nenhuma notificação da Susep sobre qualquer tipo de investigação. "Não podemos nos manifestar sobre algo que não temos conhecimento", disse. O superintendente da Susep explicou que as irregularidades não são fraudes, mas sim vendas erradas do produto e problemas com relação à portabilidade, ou seja, entraves na hora de o cliente migrar de uma seguradora para outra. Muitas vezes a venda equivocada ocorre por desinformação do profissional da agência sobre as características dos produtos. No entanto, em alguns casos, haveria indícios de violação de ética. Entre os exemplos citados pelo superintendente há casos de venda de PGBLs para idosos, já em idade de aposentadoria. Ou para pessoas que não têm nenhuma intenção de fazer poupança previdenciária ou de longo prazo. Na maioria das vezes, os clientes compram o plano, mas não têm idéia do pesado imposto que terão de pagar caso queiram sacar o valor total de uma só vez. No dia 21 de setembro, o Valor publicou reportagem apontando o grau de desinformação dos gerentes de algumas agências bancárias dos maiores bancos do país, que recomendavam a aplicação em PGBL e VGBL de maneira indiscriminada. A reportagem visitou alguns bancos passando-se por um suposto investidor que queria orientação sobre onde investir R$ 20 mil por um ano. Em boa parte dos bancos visitados, o gerente acabava recomendando a aplicação em um produto de previdência, com o argumento do retorno atraente, mas ignorando o horizonte limitado do investimento. Segundo especialistas, é um erro vender um produto de previdência para alguém que vai deixar o dinheiro aplicado por menos de cinco anos. O prazo é importante para diluir os custos dos produtos que geralmente são maiores que as taxas dos fundos de investimentos. Além da taxa de administração, os fundos de previdência possuem a chamada taxa de carregamento, cobrada na aplicação. Quanto menor o tempo de aplicação, mais essas duas taxas "comem" do retorno total do investidor. Após a publicação da reportagem, um leitor escreveu para o jornal contando a experiência semelhante de sua esposa em uma agência de um grande banco em Porto Alegre há três anos. Ela foi para aplicar na época R$ 30 mil em um fundo DI e acabou saindo com R$ 20 mil aplicados no fundo, mas os outros R$ 10 mil em previdência. Meses depois, precisou do dinheiro e só então soube que teria de sacar R$ 900 por mês para evitar o imposto de renda (IR) inclusive sobre o principal investido. O superintendente da Susep afirma que a questão é grave e que pretende avançar no terreno das punições. "Sabemos que muitas vezes o funcionário acaba vendendo o produto errado para o cliente somente para bater metas de venda", diz Garcia. "Por isso nossa intenção é reformular as regras para responsabilizar também o profissional que fez a venda diretamente no processo que for aberto aqui na Susep", avisa. Desta forma, seriam punidos o gerente e a seguradora. Segundo Garcia, hoje, a multa em cada caso chega a R$ 64 mil. De acordo com o superintendente, a intenção da Susep não é adotar uma postura paternalista com relação ao consumidor, mas em casos como esses é preciso coibir abusos. Para fazer com que os próprios consumidores tomem consciência dos seus deveres, ele tenta estreitar a relação entre empresa e cliente, por meio das ouvidorias. "Se o consumidor estiver sempre no papel de coitadinho, esperando que alguém o proteja, não vamos evoluir nesse terreno, o ideal é que as empresas e os clientes se entendam e entrem cada vez mais em acordos", diz. As vendas de produtos de previdência para pessoas idosas, já em período de aposentadoria, tornaram-se imagens corriqueiras dentro das agências dos bancos. A aposentada Ermela Santana Perez, de 71 anos, é um caso típico. Ermela foi até a agência do banco de varejo onde tem conta para saber qual seria a melhor aplicação para colocar suas economias, até então adormecidas na tradicional poupança. O gerente então recomendou a migração dos recursos para um VGBL, com o argumento de que o produto oferecia um retorno superior ao dos fundos de renda fixa, e sem nenhum tipo de risco adicional, uma vez que tinha na carteira títulos públicos. A outra vantagem sobre os demais fundos era o IR apenas no resgate. "Orientada pelos meus netos, ainda perguntei ao gerente se por causa da minha idade não deveria aplicar em um produto com perfil de mais curto prazo", lembra a aposentada. "Ele insistiu, dizendo que era o melhor produto para mim", conta a aposentada, que só não transferiu o dinheiro porque consultou novamente seus netos, que desaconselharam a mudança. Para o presidente da Associação Nacional de Previdência Privada (Anapp) e responsável pela Itaú Prev, Osvaldo Nascimento, a fiscalização da Susep é positiva para aprimorar o sistema e coibir possíveis falhas. Ele afirma que, pelo alto grau de concentração do mercado, é natural que a fiscalização se concentre nas maiores seguradoras. "Estamos tranqüilos que a venda, de forma geral, é responsável e o baixo número de reclamações em órgãos de proteção ao consumidor é a maior prova." Nascimento é taxativo ao afirmar que os produtos de previdência são indicados a qualquer investidor, inclusive os idosos, com um horizonte de aplicação acima de três anos. Segundo o presidente da Anapp, a partir desse prazo, o IR apenas no resgate, comparado com o pagamento semestral nos fundos de investimentos (o "come-cotas"), acaba mais do que compensando a tributação maior desses produtos, de até 35%, com as novas regras do setor, frente aos 22,5% dos fundos de renda fixa. No caso do VGBL, ele lembra da vantagem do pagamento de IR apenas sobre os ganhos e a possibilidade de abater do IR despesas como as médicas, que nos dez últimos anos de vida representam 90% dos gastos. "Nos EUA, o primeiro produto que os gestores recomendam são os que compensam IR." Para o especialista em previdência, Valter Hime, sócio da VMA, empresa de consultoria em recursos humanos, mais do que nunca, com as novas regras dos fundos de investimentos, que mudam o come-cotas de mensal para semestral, e da previdência, que aumentam o IR até 35% dependendo do prazo de aplicação, é primordial fazer contas antes de decidir qual a aplicação mais vantajosa. Ele acredita que, com as mudanças, o VGBL é vantajoso apenas para os investimentos com prazo acima de 10 anos, que terão IR de 10%.