Título: Cúpula do G-8 mostra os EUA cada vez mais isolados
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Fonte: Valor Econômico, 06/07/2005, Internacional, p. A9
Poucas vezes os Estados Unidos se viram tão isolados como na reunião do G-8 (o grupo dos sete países mais ricos do mundo, mais a Rússia), que começa hoje e vai até sexta na Escócia. Além dos tradicionais apelos em favor da economia mundial, o encontro deve tratar de duas questões concretas e polêmicas: a ajuda ao desenvolvimento da África e a estratégia para o combate ao aquecimento global. Nos dois casos, o presidente George W. Bush jogará na defensiva e contra seu maior aliado, o premiê britânico Tony Blair. A reunião ocorre, sob forte esquema de segurança, na cidade de Gleneagles. Participam os líderes de EUA, Japão, Alemanha, Reino Unido, França, Canadá e Itália. Blair, que organiza o encontro, convidou ainda Brasil, China, Índia, México e África do Sul para acompanharem as discussões. Apesar da crise política no país, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva vai comparecer. Segundo um rascunho do texto final, divulgado ontem pela agência de notícias "Reuters", o G-8 deve dizer que os persistentes desequilíbrios globais e os elevados preços do petróleo são os principais desafios para a economia mundial, e que o crescimento este ano deve ser robusto, ainda que abaixo do de 2004. Para suavizar os desequilíbrios globais, o G-8 deve recomendar um ajuste fiscal que ajude a elevar a poupança nacional nos EUA; reformas estruturais na Europa e na Rússia, para estimular o crescimento e a demanda interna; mais reformas estruturais e um ajuste fiscal no Japão. A ênfase das reformas deve ser aumentar a flexibilidade, elevar a produtividade e estimular a criação de empregos. No caso do petróleo, o G-8 deve reafirmar a necessidade de medidas concretas para reduzir a volatilidade do mercado, por meio de dados mais transparentes e imediatos. Deve ainda pedir aos países produtores e às empresas petrolíferas mais investimentos, com estímulos fiscais ao setor. E proporá mais investimentos em eficiência energética e energias alternativas. Quanto a isso, não há divergências. Os problemas começam com a proposta britânica de impor algum tipo de limitação às emissões de gases que causam o efeito estufa. Limitação para os EUA, já que os demais sete países do G-8 já são signatários do Acordo de Kyoto, que prevê metas de emissões. A intenção de Blair é oferecer algo que seja aceitável aos EUA, o maior poluidor do mundo, ainda que fora do âmbito de Kyoto. Mas o presidente Bush repetiu estes dias sua oposição a limites compulsórios de emissões de gases, pois isso seria prejudicial à economia americana. Além disso, Washington admite que essas emissões apenas ajudam a causar o efeito estufa, mas que haveria outros fatores naturais por trás do aquecimento global. Bush critica ainda o fato de as limitações não incluírem grandes países emergentes, como China, Índia e Brasil. Resta saber se o presidente americano simplesmente dirá não às propostas de Blair, seu principal aliado na Europa, ou se apresentará alguma contraproposta, baseada, por exemplo, em mais investimentos no desenvolvimento de alternativas aos combustíveis fósseis, o que hoje é uma prioridade de segurança para os EUA. Em relação à África, o que está na pauta é a redução da dívida e o aumento da ajuda ao desenvolvimento dos países mais pobres do continente. Blair propõe dobrar a ajuda a esses países, hoje em US$ 25 bilhões anuais. Os EUA são o maior contribuinte em termos nominais, mas são o que menos contribui em relação ao PIB. Certamente, um aumento da ajuda total significaria um aumento expressivo da contribuição dos EUA. Bush já concordou em doar mais, mas menos do que Blair vem pedindo. Além disso, os EUA querem condicionar a redução da dívida e o aumento da ajuda a uma série de reformas político-administrativas nos países africanos. O presidente da França, Jacques Chirac, deverá defender fontes adicionais de financiamento para o desenvolvimento, como um imposto internacional sobre as passagens aéreas. Paris calcula que se fossem arrecadados 5,85 euros por cada emissão de passagem econômica e 20 euros para classes executivas, seria possível levantar 10 bilhões de euros por ano, o equivalente a um sexto de toda a verba pública destinada ao desenvolvimento. Mas também nesse caso os EUA são contra. Há controvérsia quanto ao envio de dinheiro à África. Apesar de bem intencionada, a ajuda pode não modificar de forma substancial o quadro de pobreza do continente, segundo especialistas. Muitos dizem que isso é ineficiente ou pior, que torna os governos receptores dependentes mais da ajuda externa que da receita interna. O economista Sanjeev Gupta, do FMI, diz que para cada dólar doado os governos locais arrecadam 28 centavos de dólar a menos. Uma alternativa é a abertura dos mercados agrícolas dos países ricos, o que provavelmente levaria investimentos para a África, ampliaria o comércio e geraria riqueza. Mas os EUA resistem à liberalização do setor, assim como alguns países europeus e o Japão. Bush não se sente pressionado em relação a esses temas. Eles não são prioritários para o seu eleitorado nem para o Congresso americano. Mas causará constrangimento se não ceder nada ao aliado Blair.