Título: CPI pode acelerar fim do monopólio postal
Autor: César Felício
Fonte: Valor Econômico, 06/07/2005, Especial, p. A12
Crise Empresários do setor esperam que desdobramentos das investigações influenciem julgamento do Supremo
A CPI envolvendo a Empresa de Correios e Telégrafos é acompanhada com atenção por boa parte do empresariado nacional de áreas tão díspares quanto o setor aéreo e a indústria gráfica. Aguarda-se com expectativa de que maneira os desdobramentos das investigações terão efeito no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) de número 46 no Supremo Tribunal Federal (STF). Movida pela Associação Brasileira das Empresas de Distribuição e apoiada pelas entidades patronais das empresas de encomendas expressas, a APDF visa a acabar com o monopólio postal. A causa está empatada no STF: o ministro Marco Aurélio Mello votou a favor do setor privado e o ministro Eros Grau, contra. O terceiro a votar, Joaquim Barbosa, pediu vista do processo. De acordo com Ricardo Brandi, diretor executivo da Associação Brasileira das Empresas de Transporte Internacional (Abraec), que reúne as gigantes mundiais do setor, os advogados envolvidos na causa acreditam que já em agosto o restante dos ministros do Supremo devem se manifestar. "A barulheira que está se fazendo hoje sobre a ECT talvez abale algumas convicções que estavam formadas", comenta o empresário. É o mesmo temor dos que estão perfilados em defesa da ECT. "Não se pode permitir que a descoberta de uma roubalheira interfira na discussão jurídica sobre o monopólio", afirmou o ex-ministro das Comunicações e deputado Miro Teixeira (PT-RJ). "O fim do monopólio postal vai colocar as empresas privadas na disputa de mercado pelos clientes de atacado, que postam contas de consumo e coisas assim. Isso vai impedir a prática do subsídio cruzado que permite aos Correios operarem a baixo custo com correspondências simples em longas distâncias. Ou seja, se o STF decidir a favor do setor privado, a ECT quebra", disse. De acordo com os empresários, o inverso também vale: "O julgamento do STF pode reforçar o monopólio postal e garantir para a ECT o trânsito dos documentos de exportação e importação. Ficaremos restritos ao envio de objetos", comenta Brandi. O reforço do monopólio atinge um mercado em expansão. Segundo a Associação Brasileira de E-Business, 71% das empresas do país já fizeram compras eletrônicas. No setor de indústria, as transações eletrônicas em 2004 foram de R$ 139,5 bilhões. "Partimos para o tudo ou nada com a APDF. Se os ministros fizerem um julgamento político, a favor da posição do governo, vão ser afetadas 12 mil empresas", disse Emilia Soares de Souza, advogada do Sindicato Nacional das Empresas de Encomendas Expressas. Uma eventual fragilização política da estatal também interessa às empresas do setor gráfico, que procuram, sem sucesso, impedir a ECT de implementar um novo programa, chamado oficialmente de "solução integrada de produção descentralizada de documentos", mas cujo nome comercial é correio híbrido. Trata-se de uma nova tecnologia, nos planos da estatal desde a gestão de Sérgio Motta: pelo sistema, será possível emitir contas de consumo na própria cidade em que a fatura será distribuída. A emissão seria feita pelo próprio agente distribuidor, no caso a ECT, que irá remunerar o cliente privado fornecedor da tecnologia, por folha impressa. "Sem dúvida é um excelente negócio para ECT e para o consórcio que ganhou a licitação. Reforça a posição de monopólio. Talvez seja péssimo para o consumidor, já que onera o serviço. E fecha um nicho de mercado para o nosso setor", afirmou o presidente da Abigraf, Mario César Camargo. A entidade patronal estima uma perda de receita anual do setor de R$ 324 milhões. A concorrência para o Correio Híbrido foi feita em novembro de 2004 e vencida pelo consórcio BR Postal, único concorrente. A transação demorou para ser homologada porque a comissão licitante questionou vários itens da proposta, buscando uma redução de preço. A negociação teve como resultado um desconto de 3%, ficando em R$ 4,316 bilhões, para um contrato de cinco anos. Segundo Camargo, para bloquear o projeto os empresários conversaram com dois ministros da Comunicação, Pimenta da Veiga (1999-2002) e o atual, Eunício Oliveira, com o então ministro da Casa Civil, José Dirceu, e com o presidente da ECT em 2003, Airton Dipp, sem resultado. Apresentaram uma representação na Secretaria de Direito Econômico, que não os apoiou. Bateram na porta do Tribunal de Contas da União (TCU), que aprovou a iniciativa dos Correios. Recorreram então ao Tribunal Regional Federal, onde aguardam resposta. "Esta confusão da CPI pode nos ajudar, já que tanto o deputado Roberto Jefferson quanto o ex-chefe de departamento Maurício Marinho citaram o contrato como merecedor de investigação", disse Camargo. A longo prazo, a CPI poderá afetar a situação das 1.506 agências franqueadas, que respondem por cerca de 35% do faturamento da estatal. Na gestão passada, a ECT tentou reformular as regras para o setor, mas as concessões foram prorrogadas em 2002 por cinco anos, com a aprovação de um projeto do deputado Salvador Zimbaldi (SP), hoje no PTB. A ECT queria nova licitação retirando das franqueadas a possibilidade de disputarem clientes no atacado, com contas de consumo. "Pagamos o equivalente a US$ 1 bilhão para os franqueados em cinco anos, o que não faz sentido do ponto de vista econômico", disse Gebrin. A proposta de prorrogação até 2007, contudo, passou por acordo de lideranças entre governo e oposição em 2002. Como parte das franquias são anteriores aos marcos legais que regulam as licitações e as concessões, o TCU manifestou reservas às prorrogações. A diretoria demitida dos Correios estudava uma nova proposta para resolver o problema. Quando o senador pefelista Demóstenes Torres (GO) pediu na CPI que Marinho citasse algumas áreas que poderiam ser investigados, o depoente disse: "Posso lembrar do caso das franquias, que são prorrogadas com a força que elas têm. Temos nestes contratos laranjas, e atrás deles se encontram parlamentares". Um dos focos de denúncia do deputado Roberto Jefferson, a Rede Postal Noturna, que administra 23 linhas aéreas, consome cerca de R$ 320 milhões por ano da estatal com o transporte de carga. No passado, foi um setor dominado pela Vasp, que chegou a deter 40% da Rede, até o começo de 2000, quando teve seus contratos rescindidos por problemas documentais. Começou, e ainda não se completou, uma reestruturação do setor, onde empresas como a Skymaster cresceram sua participação. Um problema freqüentemente apontado com a Rede é o fato de que muitas empresas que prestam serviço aos Correios também lhe fazem concorrência, atuando no setor de entregas expressas. A gestão passada queria a renegociação dos contratos, com exclusividade na prestação de serviço, segundo afirmou Gebrin. Na gestão Lula, optou-se por outro caminho: a ECT tentou renegociar os contratos reduzindo valores. É exatamente na renovação da linha operada a partir de Manaus, pela Skymaster, que figura uma das denúncias de Jefferson em seu primeiro depoimento.