Título: Governo estuda congelar gastos nos valores reais de 2005
Autor: Raquel Salgado
Fonte: Valor Econômico, 07/07/2005, Brasil, p. A3

A proposta de emenda constitucional (PEC), que o governo discute para cortar despesas e desvincular receitas, deverá trazer o congelamento dos gastos de custeio nos valores reais realizados este ano para os próximos sete ou oito anos; o congelamento dos gastos com pagamento de pessoal e encargos nos três poderes; e, no caso do orçamento da saúde, uma mudança da emenda 29. Por essa emenda, os gastos com saúde têm que ser corrigidos pela variação nominal do Produto Interno Bruto (PIB). O governo acha que pode mudar esse critério para um outro, que preserve o valor real do gasto per capita em saúde, segundo informou o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo. Há dúvida, porém, sobre a necessidade de aumentar a desvinculação de receitas (DRU) dos atuais 20% para até 40%. Bernardo acredita que talvez a mera prorrogação da DRU por dez anos seja suficiente. Os ministros da Fazenda, Antonio Palocci, do Planejamento, da Casa Civil, Dilma Rousseff, e Jaques Wagner, do "Conselhão", discutiram com um grupo de grandes empresários e parlamentares, em jantar na terça-feira, a possibilidade de um novo programa fiscal, conforme sugerido pelo deputado Delfim Netto (PP-SP), que culminaria com o equilíbrio das contas nominais do setor público no fim de alguns anos (zerar o déficit nominal, que inclui as despesas com juros da dívida pública). Palocci e Bernardo não querem assumir compromissos legais com metas nominais das contas públicas para os próximos anos. Ou seja, não deverão propor como objetivo na proposta de emenda constitucional zerar o déficit nominal num prazo de quatro ou cinco anos. Ainda que isso seja uma conseqüência, no tempo, do eventual novo programa fiscal. Acham que seria arriscado cravar uma meta nominal sem ter controle sobre a principal variável da despesa contabilizada por esse critério, que é com os juros da dívida pública. Bernardo explicou que a idéia é que a PEC - e isso foi debatido no jantar - seja simples e clara, com poucos artigos. "A Constituição não precisa determinar uma meta para zerar o déficit nominal. Não dá para engessar", disse. Paralelamente a isso, o governo tem discutido dar um "choque de gestão" no setor público, a começar das áreas da previdência social e saúde. Segundo o ministro do Planejamento, mesmo depois das medidas tomadas na Previdência, ainda há cerca de 800 mil benefícios sob suspeita de irregularidade. Houve um "apoio generalizado" à proposta, garantiu o presidente da CNI, deputado Armando Monteiro (PTB), presente ao jantar. Os empresários entenderam ainda que a posição de Palocci, em defesa da proposta, foi firme e ele afirmou ser fundamental o apoio do Congresso e de setores sociais. Discutiu-se, também, a dimensão da crise política e as dificuldades de se articular apoio a uma proposta dessa natureza nesse momento. O senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) afirmou que a iniciativa de Delfim, que propôs um programa fiscal robusto o suficiente para zerar o déficit nominal em alguns anos, é "extremamente oportuna". Para alcançar as metas, ele defendeu uma articulação que exige sacrifícios e mudanças legislativas. "Não pode ser um projeto do governo. Tem de ser um projeto de longo prazo do país. É a única maneira de sairmos da armadilha atual", alertou. Jereissati, porém, fez uma crítica ao governo Lula, que está fazendo a reforma ministerial seguindo a mesma lógica fisiológica que orientou a formação do ministério antes. O empresário Jorge Gerdau informou que já vinha discutindo com o governo mudanças gerenciais para aumentar a eficácia das ações do governo, inclusive na área da previdência social. Na terça-feira mesmo Gerdau se reuniu com o presidente Lula e a ministra Dilma para discutir as medidas em estudo. "O Brasil precisa de um novo regime fiscal, um choque de gestão", endossou Monteiro. O deputado Delfim Netto, que organizou o jantar, explicou que a proposta não significa ter as contas nominais equilibradas para o resto da vida, mas por um tempo determinado. Ele considerou as discussões, no jantar-reunião, "muito bem sucedidas" e salientou que sua proposta "é aberta". Ele explicou que não pretende que a meta de déficit nominal zero seja colocada na PEC. Na sua concepção, a trajetória de superávit primário seria crescente, passando de 4,25% do PIB este ano para 4,75% do PIB no ano que vem, e sendo definida a cada exercício, de forma a chegar ao fim de oito a dez anos com uma relação dívida/PIB da ordem de uns 30% e poder reduzir paulatinamente a carga tributária de volta ao patamar de 28% a 30% do PIB. Os empresários, diferentemente dos políticos, "acreditam que tais medidas produzem efeitos antecipados", explicou o deputado. Ele sublinhou que um novo programa fiscal não implicará queda artificial dos juros. "Será o mercado que puxará os juros para baixo." O Banco Central acompanhará esse movimento. O senador Rodolfo Tourinho (PFL-BA) disse que a presença dele e de outros oposicionistas no jantar de terça-feira representa "um início de entendimento".