Título: Ícones históricos vendem Congresso
Autor: Wanderley Guilherme dos Santos
Fonte: Valor Econômico, 07/07/2005, Política, p. A6

Faltavam cerca de 20 minutos para as duas horas da madrugada de sexta-feira passada quando o depoimento do deputado Roberto Jefferson, réu confesso de crime eleitoral, foi dado por encerrado com a confraternização entre o depoente, a deputada Denise Frossard e a senadora Heloísa Helena, além de histórica reconciliação entre o senador Eduardo Suplicy e o deputado, proporcionada pelo esclarecimento de relevantíssimo evento ocorrido há 13 anos: o senador Suplicy, ao contrário do que se suspeita, não foi agredido pelo deputado Jefferson em 1992. A senadora Heloísa Helena, depois de dedicar às instituições da Câmara, do Senado e ao governo os adjetivos de costume, e depois de declarar-se pela enésima vez enojada de seus pares, absteve-se do dever de inquirir o depoente, preferindo solicitar ajuda ao deputado Roberto Jefferson com a revelação de fatos que permitissem a ela, senadora Heloísa Helena, perseverar em sua peleja pela moralidade, indiciando nada menos do que a Polícia Federal. Agradeceu, exausta do bom combate, a solicitude do deputado. A deputada Denise Frossard informou ao depoente que fora professora de sua filha, motivando nostálgicas recordações ao deputado Roberto Jefferson, que lamentou não haver a filha continuado o curso de magistratura, pois a desejava juíza como a deputada Denise Frossard, a cuja candidatura ao governo do Estado do Rio de Janeiro, aliás, antecipou apoio. A juíza sorriu e também renunciou a perguntas. O senador Suplicy reportou-se ao episódio em que, durante as investigações sobre o esquema PC Farias, acusou falsamente o deputado Roberto Jefferson de haver recebido US$ 1 milhão para defender o governo Collor. Surgiram boatos, à época, de que teria sido agredido pelo deputado, o que, explicou o senador, não ocorrera. O deputado Jefferson confirmou que não o esbofeteara e valeu-se do momento para esclarecer que a difamação do senador Suplicy é que o transformara em vilão, perante a opinião pública, injustiça de que nunca conseguira livrar-se. Na Comissão Parlamentar de Inquérito dos Correios, portanto, entre outras conquistas da moralidade, obteve-se, à uma hora da manhã de sexta-feira, a apuração do fato de que o deputado Roberto Jefferson não espancou o senador Eduardo Suplicy, em 1992, e de que a má fama do deputado deve-se não mais do que a comprovada calúnia do referido senador. Tem jurisprudência firmada, nas aparições do deputado depoente, que ele pode permitir-se todo tipo de descortesias, linguagem chula (alguém seria "escroto", conforme descrição do deputado) tentativas de desmoralização, como a que ousou contra a educada senadora Ideli Salvatti, intimidação explícita como quando berrava "estou te esperando Bittar, estou te esperando", para divertimento da oposição e complacência bonachona do presidente da CPMI, senador Delcídio Amaral. A exemplo de outras fanfarronadas, o deputado Jefferson não estava esperando coisa alguma e respondeu quietinho às perguntas do deputado Bittar.

Depoimento de Jefferson foi espetáculo de promiscuidade

Cabe, naturalmente, a cada depoente ou acusado optar pela estratégia que mais lhes convenha. Mas não lhes compete determinar a estratégia de outros. O senador Delcídio Amaral tem conduzido com sabedoria a comissão de inquérito. Sua discreta tolerância à desobediência da oposição a prazos de intervenção colabora, inclusive, para que não surja o que deve ser evitado a todo custo - o antagonismo entre membros da comissão e a mesa condutora dos trabalhos. Por isso mesmo, é indispensável a preservação da linha que separa tolerância em favor da justiça da omissão de autoridade. Em minha opinião o senador Delcídio Amaral errou ao consagrar o direito de depoentes arbitrarem o momento em que responderão às perguntas que lhes são dirigidas. Protegeu Roberto Jefferson, mas, a não ser que se exponha à acusação de facciosismo, terá que garantir o mesmo privilégio a Marcos Valério, Delúbio Soares e tantos outros cujas vidas têm sido oferecidas ao pré-julgamento público, antes que a grande empresa (imprensa) escale até à figura do presidente Luiz Inácio. Errou ainda mais ao não se manifestar quando, ao final de um de seus infalíveis discursos de mau agouro, em ocasiões semelhantes, o senador Pedro Simon propôs o arranjo de acobertamento na Comissão de Ética do réu confesso, deputado Roberto Jefferson, em troca de uma delação completa, sabe-se lá de quê, na Comissão Parlamentar Mista de Inquérito dos Correios. O final do depoimento do deputado Roberto Jefferson, no início da madrugada de sexta-feira, dia 1º de julho de 2005, ofereceu o mais lamentável espetáculo de promiscuidade entre as agressivas vestais da moralidade e um notório notório. P.S. - O ciclo golpista teve início em janeiro de 2005 com a palavra de ordem de que a oposição deveria ser feita "com gosto de sangue na boca", obteve sucesso em transformar inquéritos de corrupção, ainda inconclusos, em processos políticos contra o governo, e abriu o jogo ao propor a negociata de trocar o fim dos processos pela renúncia do presidente Lula à reeleição. C. Q. D.