Título: Disputa por controle do peronismo racha partido de Kirchner
Autor: Paulo Braga
Fonte: Valor Econômico, 07/07/2005, Internacional, p. A9

Argentina Presidente rompe com Duhalde, que o levou ao governo; mulheres dos dois querem vaga no Senado

O presidente argentino, Néstor Kirchner, indicou ontem que sua aliança política com o ex-presidente Eduardo Duhalde, que o levou à Presidência, foi rompida. O desfecho do conflito, que tem suas raízes na disputa pelo controle do PJ (Partido Justicialista, peronista) deve definir o futuro da política argentina ao menos para os próximos anos. "Não se pode ser governo e oposição ao mesmo tempo", disse Kirchner em entrevista publicada pelo jornal "Página 12". Segundo o presidente, não há mais possibilidade de que ele e Duhalde cheguem a um acordo para a composição das listas dos candidatos do PJ que concorrerão às eleições para a Câmara e o Senado. Apesar disso, analistas acreditam que há chance de um pacto até 23 de agosto, quando termina o prazo para o registro de coalizões para a disputa do pleito parlamentar de outubro. O conflito ocorre porque Kirchner decidiu impor sua mulher, a senadora Cristina Kirchner, como candidata ao Senado pela Província de Buenos Aires, encabeçando a lista peronista. A intenção de Duhalde, entretanto, é que sua mulher, Hilda "Chiche" Duhalde, seja a principal candidata do PJ na província mais importante do país. As negociações para que "Chiche" desistisse da candidatura em troca de vagas para candidatos duhaldistas a deputado na lista do governo fracassaram, e o presidente decidiu montar sua lista sozinho. Como Duhalde tem maioria na executiva do partido, ficará com a lista do PJ, e os candidatos do governo concorrerão por uma coligação denominado Frente para a Vitória. O lançamento oficial da candidatura de Cristina está marcado para hoje na capital provincial, La Plata. A província de Buenos Aires elege três senadores na eleição em que se renovará um terço do Senado e metade da Câmara. Pelas regras do sistema argentino, são eleitos os dois candidatos a senador da lista que ficar em primeiro, e o segundo partido mais votado elege o terceiro nome. Caso o peronismo vá para a disputa dividido, a oposição promete contestar na Justiça a inscrição de listas múltiplas do partido, porque, se isso ocorrer, o resultado provável é que o peronismo fique com as três vagas. A disputa entre os dois líderes políticos se arrasta há meses, mas as declarações do presidente marcam seu ponto mais agudo. Para o analista político Rosendo Fraga, o choque tem potencial para comprometer a governabilidade. "Que o Congresso não tenha podido realizar uma só sessão nas últimas quatro semanas - considerando-se que o oficialismo é maioria nas duas casas e faltam quatro meses para uma eleição que é apenas legislativa - é um bom exemplo de como a divisão do PJ pode afetar a governabilidade", afirmou Fraga. Segundo Fraga, a disputa pode gerar "a crise final do sistema de partidos da Argentina", já que o outro partido tradicional, a UCR, praticamente desapareceu devido ao fracasso do governo de Fernando de la Rúa, que renunciou em dezembro de 2001. O risco à governabilidade se acentuaria porque atualmente não há uma força de oposição suficientemente articulada. Outro analista político, Sergio Berensztein, crê que a deterioração do relacionamento entre os dois líderes pode comprometer a qualidade institucional e democrática do país, mas não ameaça a governabilidade, no sentido de que não devem se repetir gestos violentos como na queda de De la Rúa. Quanto ao trabalho do Congresso, Berensztein nota que Kirchner já centralizou grande parte do poder no Executivo, e todas as vezes que é necessário lança mão de decretos. Ele acredita que nas próximas semanas continuarão a ocorrer "movimentos de uma negociação dura, na qual ninguém quer ceder". As ações de Kirchner vão depender, segundo Berensztein, da evolução de seus candidatos em nível nacional: se perceber que pode ter boa vantagem em outras províncias importantes, ficará mais fortalecido para enfrentar Duhalde em Buenos Aires e ceder menos.