Título: Sem saídas para a raiz do problema
Autor: César Felício
Fonte: Valor Econômico, 08/07/2005, Brasil, p. A5

Em nenhum ano de suas mais de duas décadas de praticante de uma variante de macartismo da esquerda, o PT conseguiu provocar o vendaval desencadeado contra si pelo deputado Roberto Jefferson. Ontem, uma nota maliciosamente dúbia do petebista aproximou a senadora Ideli Salvatti (PT-SC) do mensalão. Líder petista no Senado em 2004, Ideli destacou-se pela relação pedregosa com os demais senadores, tanto de seu partido quanto de outros, o que não condiz com o perfil imaginado para a turma da mala. Se a verossimilhança falha, ninguém pode acusar, entretanto, o parlamentar petebista de falta de método. Ao depor na CPI, ameaçou seus integrantes. Ao relatar a estimativa de preço real e o declarado das campanhas eleitorais de todos os integrantes da Comissão, Jefferson foi além do "estamos todos sendo hipócritas aqui", frase dita por PC Farias na CPI de 1992. Hipocrisia é uma contravenção moral, distante de fraude e crime eleitoral. Nenhum dos presentes esboçou uma reação. Dificilmente poderiam. "Roberto Jefferson confirmou com suas palavras a minha hipótese teórica de que o custo real de uma campanha é cerca de nove a dez vezes maior que o declarado, sobretudo nas campanhas para deputado", comentou o professor emérito da UnB, David Fleischer, que têm na corrupção eleitoral um tema usual de pesquisa. "Sem financiamento público, eu não me candidato mais. As exigências financeiras da campanha são muito grandes e o financiamento privado deixa o candidato vulnerável. O coordenador da campanha vai fazer coisas sem sequer lhe perguntar", quase confirmou o senador Cristovam Buarque, que declarou gastos de R$ 1,154 milhão em sua campanha. Fleischer não tem dúvida em classificar o modelo brasileiro como indutor da corrupção. Mas compartilha com Jefferson o ceticismo sobre a solução aventada pelo petista. O deputado do PTB disse que o financiamento público soma um crime ao outro. O cientista político - natural dos Estados Unidos - acha o mesmo. Para a solução funcionar, as condições não estão dadas. Financiamento público exclusivo requer uma Justiça Eleitoral implacável com o caixa dois e o retrospecto brasileiro não é favorável. Fleischer lembra da anistia ao então presidente do Senado, Humberto Lucena em 1994, votada pelos seus pares a toque de caixa, depois de condenado a perder o mandato pelo TSE. "Foi um momento emblemático dos limites de ação do Judiciário. Alguém acha que os poderes da Justiça serão reforçados neste caso?", indaga.

Financiamento público exclusivo é impraticável

O modelo misto, presente nos Estados Unidos e elogiado por Jefferson em algumas entrevistas, é outra experiência vista com desdém pelo cientista político. Depois do escândalo do Watergate, criou-se um fundo público para apoiar candidatos até mesmo nas eleições primárias. O fundo é opcional: o candidato pode optar pelo dinheiro oficial ou o privado e não terá como se retratar depois. Surge então o "soft money", versão ianque do caixa paralelo. As contribuições aos partidos políticos têm limites bem mais frouxos, e os financiadores carrearam o que não podem dar diretamente aos candidatos para as siglas. "De ano a ano, as campanhas nos Estados Unidos tornam-se mais caras. O efeito da lei em diminuir a dependência dos políticos americanos do poder empresarial foi nenhum", disse. E qual a solução? Para Fleischer, o voto proporcional em lista fechada baratearia as eleições e tornaria as cúpulas partidárias menos dependentes do financiamento privado. Mas o próprio pesquisador reconhece que a saída é frágil. Surge aí o problema de deixar nas mãos das atuais comandos do PTB, PL, PP e PT o poder de dizer quem fica na cabeça da lista. Copa e cozinha José Dirceu montou o PT atual, mas estava fantasiado de micro-empresário no interior do Paraná quando Lula começou a articular-se como liderança sindical. José Genoino, na mesma época, acabava de sair do Presídio Tiradentes. São vários os relatos que mostram a pouca simpatia do hoje presidente com os egressos da luta armada e do movimento estudantil nos primórdios de sua vida pública. Não é o caso de Luiz Gushiken. Este foi do movimento sindical e participou da concepção do partido. Sua eventual saída do ministério poderá abater Lula como nenhuma outra queda até hoje.