Título: Auditoria estranha valor do contrato do serviço Correio Híbrido
Autor: Sergio Leo
Fonte: Valor Econômico, 08/07/2005, Brasil, p. A6

Citada nas investigações sobre corrupção nos Correios, a contratação de um consórcio de empresas para o projeto "Correio Híbrido", pelo valor de R$ 4,3 bilhões, representou um aumento de 454% no valor inicialmente previsto pela estatal para o contrato, segundo aponta relatório de auditoria da empresa, obtido pelo Valor. A auditoria estranhou que a a proposta vitoriosa, do consórcio BR Postal, tenha fixado preços médios unitários, para alguns produtos e serviços, até 4,2 mil por cento superiores aos do cálculo inicial dos Correios. O valor do investimento em softwares previsto pelos Correios, que era de R$ 30 milhões, foi inflado em 345%, para R$ 103,5 milhões. O Correio Híbrido, contratado em fevereiro, deverá permitir à estatal enviar por meio eletrônico, imprimir e envelopar em localidades próximas ao destino, a correspondência hoje impressa e despachada, a partir dos centros de triagem dos Correios, para as diversas cidades do país. O sistema servirá, por exemplo, para entrega de correspondência bancária; inclui a impressão e entrega de correspondência por mala direta e preocupou as empresas da Associação Brasileira da Indústria Gráfica (Abrigaf), que, temerosas da concorrência com a estatal, tentaram, sem sucesso, impedir na Justiça a adoção do Correio Híbrido. A auditoria da estatal apontou várias omissões e carências no processo e contratação do BR Postal, mas acatou, no relatório final, as explicações fornecidas pelo então diretor comercial dos Correios, Carlos Eduardo Fioravante, terceiro suplente do recém escolhido Ministro das Comunicações, senador Hélio Costa (PMDB-MG), que passará a controlar a empresa dos Correios. Na explicação, a diretoria de Fioravante afirma que os valores informados para verificar a viabilidade econômico-financeira do Correio Híbrido haviam sido "subestimados conscientemente", e que na época uma consultoria externa (da Booz Allen) criticava os projetos da ECT por serem "superestimados". O Valor indagou à diretoria da empresa se o aumento em relação à estimativa inicial não seria excessivo, apesar da subestimativa "consciente". A resposta dada pelos diretores não explica a decisão de "subestimar" a avaliação, feita pela diretoria de Fioravante - que foi afastado com outros diretores, em conseqüência das denúncias contra a empresa. Segundo a assessoria, que só aceitou responder às dúvidas sobre o caso por e-mail, a atual direção da empresa não considera excessivo o aumento de mais de 450% em relação á estimativa inicial, por causa da "metodologia" adotada. Na primeira estimativa, que deveria orientar a avaliação da viabilidade do projeto, "não foram considerados nos custos unitários básicos os diversos custos que a eles seriam agregados pelos licitantes". A disparidade entre os preços iniciais da estimativa dos Correios e os apresentados pelo consórcio que ganhou o contrato levou a auditoria até a elaborar uma lista com os aumentos mais notáveis, como o custo de "armazenamento de dados", que subiu quase 4,3 mil por por cento, o de "talonagem", 2,7 mil por cento e o de fornecimento de envelopes, 524%. A diretoria de Fioravante argumentou que, mesmo com os valores iniciais subestimados, a análise econômico-financeira da proposta contratada pela BR Postal mostrou-se viável, e garantiria o retorno do capital investido em dois anos e oito meses (a atual diretoria fala em dois anos e dois meses). Os auditores internos da empresa, no relatório final, fizeram duas observações, uma delas de difícil entendimento: "Por se tratar de fatos passados, consideramos o ponto solucionado para fins deste relatório". A esse comentário, acrescentaram a recomendação de que, "embora o estudo de viabilidade econômico-financeira tenha sido viável (sic), faz-se necessário, também, o estudo de viabilidade comercial frente ao aumento de preços". A observação indica que os especialistas em auditoria dos Correios consideraram as informações da diretoria de Fioravante insuficientes para avaliar se os aumentos de preços nos serviços e produtos fornecidos pela BR Postal não poderão transformar o Correio Híbrido em uma operação deficitária, ou um fracasso comercial. Em resposta ao Valor, por e-mail, os Correios argumentam, em jargão técnico" que o risco foi "minimizado" com a decisão de considerar, para a avaliação, que o futuro Correio Híbrido captaria, durante seus primeiros cinco anos, cerca de um terço da correspondência que já circula tradicionalmente pela estatal. No parecer incluído no relatório final, de fevereiro de 2005, o chefe do departamento de auditoria, Pedro Célio Arantes, porém, afirma que há "estudos de viabilidade insuficientes para a solução do projeto do Correio Híbrido", porque, ao contrário do que os auditores consideraram necessário, os aumentos de preços não foram acompanhados de uma reavaliação dos riscos criados com a mudança nas estimativas iniciais. Arantes conclui, porém, que o projeto do Correio Híbrido estava "sob controle, mas necessitando de ajustes". A auditoria notou, ainda que os técnicos dos Correios admitiram não ter parâmetros para julgar os preços cotados pelo consórcio BR Postal, vencedor da licitação, mesmo custos referentes ao "trabalho homens/hora" e os produtos a serem fornecidos. Os responsáveis pelo contrato argumentam que o serviço oferecido, embora exista em diversos países, será adaptado às condições do mercado postal brasileiro, o que o torna "um caso único", sem possibilidade de comparação de preços para avaliação econômica do contrato. Outro ponto que chamou a atenção dos auditores foi o alto custo do desenvolvimento do software para gestão do novo sistema. Por um critério comum em computação, os "pontos de função", que indicam o tamanho de um software (equivalentes, por exemplo, a metros quadrados usados como medida na construção civil), os auditores notaram que o valor cobrado pelo consórcio contratado pela Empresa de Correios e Telégrafos é mais de 60 vezes maior que a média dos serviços já comprados pelos Correios. Enquanto que, nos projetos anteriores, a ECT pagou, no máximo, R$ 3,8 mil por ponto de função nos softwares comprados (e, na média, pagou R$ 1,4 mil), o valor do ponto de função no programa vendido pela BR Postal é de R$ 69,3 mil. A diretoria de Fioravante argumentou que, pelo ineditismo e exclusividade do software comprado, não se pode usar a metodologia dos "pintos de função", e não há parâmetros para avaliar o valor do software comprado.