Título: Ministério Público denuncia cinco executivos do Rural
Autor: Maria Lúcia Delgado
Fonte: Valor Econômico, 08/07/2005, Política, p. A7

O Ministério Público Federal acusa cinco executivos e um ex-funcionário do Banco Rural por gestão fraudulenta e formação de quadrilha. A denúncia foi apresentada ontem à 4ª Vara da Justiça Federal, em Belo Horizonte. De acordo com o procurador Rodrigo Leite Prado, o Ministério tem provas de que o Rural fez remessas ilícitas de pelo menos US$ 192 milhões no período entre abril de 1996 e janeiro de 2000. As remessas ao exterior feitas pelo banco mineiro neste período totalizaram US$ 4,8 bilhões. O Rural vem sendo investigado pelo órgão há seis anos, informou o procurador. Foram arrolados na ação o atual vice-presidente de operações, José Roberto Salgado (diretor adjunto de câmbio no período investigado); o gerente geral do IFE Rural Uruguay, Vinicius Saramani; o superintendente de câmbio, Francisco Pinto Coelho; os gerentes de câmbio Cláudio Eustáquio da Silva e Ronaldo Santos Corrêa; e o ex-funcionário que era diretor de câmbio, Danton Alencar. Também é réu Odilon Bacellar, acusado de aliciar "laranjas" para o banco. A pena para o crime de gestão fraudulenta em instituições financeiras varia de três a oito anos de prisão e multa de até 18 mil salários mínimos. Para formação de quadrilha, a condenação pode chegar a três anos de reclusão. Os três procuradores envolvidos na investigação contaram com ajuda dos Estados Unidos e dividiram o trabalho em três frentes. A principal delas diz respeito à manipulação irregular da carteira de câmbio. De acordo com o Ministério, o Rural mantinha dois endereços para operações de câmbio no centro da capital mineira. O oficial funcionava na agência na Avenida Álvares Cabral. O outro funcionava no edifício Tratex, onde está a sede do grupo, para atender clientes especiais interessados em burlar as regras do Sistema Financeiro Nacional. O Valor já havia revelado a informação sobre a "filial" ilegal em matéria publicada na terça-feira. Foram identificados 378 "laranjas", titulares de contas utilizadas no esquema de evasão de divisas. Segundo Rodrigo Leite, a maior parte deles são pessoas humildes que receberam entre R$ 1 mil e R$ 2 mil para abrir conta em diferentes bancos. O rastreamento das contas mostrou que os recursos destas 378 contas eram sempre três contas do tipo CC5: uma do IFE Rural Uruguay em Belo Horizonte, outra do IFE Rural Uruguay em Foz do Iguaçu e a terceira do Rural International em Foz do Iguaçu. Das três contas, o dinheiro era remetido para uma conta do Banestado em Nova York, nos Estados Unidos. De lá, os recursos eram distribuídos para seus verdadeiros donos. "O José Roberto Salgado (atual vice-presidente do Rural) é o mentor das operações e é apontado por alguns como o criador do esquema de evasão de divisas por meio da CC5", declarou ontem o procurador Rodrigo Prado. Entre 1996 e 2000, o Rural foi o terceiro banco entre os que mais enviaram recursos pelas contas CC5, atrás do Banestado (US$ 5,6 bilhões) e o Banco Araucária (US$ 5,1 bilhões). O procurador está convencido de que as remessas ilegais têm ligação com corrupção e narcotráfico. O Ministério Público descobriu também, no período de junho de 1995 e abril de 1996, operações de venda de dólar no paralelo com o objetivo de ganho financeiro na diferença de cotação. "O volume de movimentação diária era muitíssimo expressivo", disse o procurador. O esquema envolvia outros três bancos no Paraguai (Del Paraná, Corfan e Inversion). Na terceira frente, o MPF constatou ainda descumprimento intencional de regras do Banco Central em depósitos em contas CC5. A norma 2242 determina que os cheques depositados sejam administrativos, nominais, não endossados e com destinação registrada no verso. Em operações para três empresas clientes do Rural, que somam R$ 430 milhões, a regra não foi seguida. Os indícios contra o Rural já haviam aparecido durante as investigações da CPI do Banestado. Mas o banco acabou excluído do relatório final, por falta de provas. A suspeita de um relacionamento entre o ex-vice-presidente José Augusto Dumont (falecido em 2004) e o relator da CPI, deputado José Mentor (PT), veio agora à tona nas entrevistas da ex-secretária do publicitário mineiro Marcos Valério de Souza, acusado de operador do mensalão na Câmara. A direção do Rural não quis atender a reportagem. Em nota de apenas quatro linhas, a assessoria de imprensa informou que os esclarecimentos já foram prestados na CPI do Banestado e no Ministério Público. Sobre a atual queixa-crime, diz a nota, o banco prestará informações complementares tão logo seja comunicado oficialmente. Em comunicado publicado nos principais jornais do país, na quarta-feira, o Banco Rural informou que as mortes de seus principais executivos - a presidente Júnia Rabello (1999), o vice-presidente José Augusto Dumont (2004) e o fundador Sabino Rabello (2005) - provocaram abalo emocional, mas serviram como "momento de reflexão sobre as necessidades de revisão dos rumos da empresa". No texto, o banco reconhece que a herdeira Kátia Rabello ocupava apenas formalmente o cargo de presidente desde 2001. Com a morte de Dumont, diz o comunicado, é que ela assumiu efetivamente a função, determinando o "reordenamento administrativo".