Título: Na reforma, governo Lula troca o seis por meia dúzia
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 08/07/2005, Opinião, p. A10

As mudanças anunciadas até agora no ministério do presidente Luiz Inácio Lula da Silva não representam absolutamente nada: não ampliam a base parlamentar; não viabilizam o descarte do apoio de partidos marcados pela venalidade - PP, PL e PTB; não sinalizam ao país uma moralização do governo nem são garantias de uma mudança na qualidade de gestão das pastas. O presidente Lula apenas resolveu pagar mais caro pelo que já tinha: o apoio de uma parcela do PMDB, a "governista", e o antagonismo de outra, a "oposicionista". Algumas fontes governistas interpretaram a decisão do presidente de ampliar a participação do PMDB no governo como um "ato simbólico" de "despetização" da administração pública. Não se sabe, todavia, se a "peemedebização" deve ser interpretada como uma medida intrinsicamente moralizadora. A contar pelos inúmeros processos a que responde o ministro da Previdência Social , Romero Jucá (RO) - um dos candidatos a perder o seu cargo no governo - esta não é, em absoluto, uma interpretação obrigatória. "O MDB também não é santo. Querer salvar o governo dele em cima do MDB? Coitado (de Lula)! Ele está mal das pernas". A observação é do senador Pedro Simon (RS) - que, conforme denuncia o tratamento "MDB" dado ao partido, é um peemedebista "histórico". Em entrevista ao site "Congresso em Foco", o senador afirma: "Vai ficar tudo igual: uns votando a favor, outros votando contra". E, lá pelas tantas, para mostrar que Lula trocou seis por meia dúzia, reforça: "Se ele (Lula) fecha um acordo com o partido pondo mais cinco ministros, na hora da votação vai ser a mesma confusão. Daqui a pouco vão fazer uma CPI para investigar os caras do PMDB". Simon fala com a autoridade de seus 75 anos e da sua longa militância no antigo MDB, o partido de oposição à ditadura, e posteriormente no PMDB. Sabe exatamente em que partido está. A reação dos seus sete governadores, capitaneados pelo presidente da sigla, Michel Temer, contra a inclusão de mais três ministros peemedebistas no gabinete presidencial, mostra que o senador gaúcho tem razão. Em nota divulgada depois do encontro, os governadores dizem que "os filiados que integram o governo não representam o partido" e ameaçam desfiliá-los. Lula, portanto, não ganhou um voto peemedebista a mais. As perspectivas do governo de retomar o controle político que lhe fugiu às mãos, na esteira das denúncias que se avolumam contra o seu governo e o seu partido, o PT, não são as melhores. O aumento da participação do PMDB no ministério não aumentará a base parlamentar. Lula acena com um ministério para o PP - o que, na prática, torna a sua vinculação com o partido, que antes comia pelas bordas do poder em cargos de segundo e terceiro escalões, mais forte. E esta, definitivamente, não é uma boa companhia. PPS e PDT fizeram um caminho sem volta para a oposição. E nem no próprio PT, hoje, tem garantias de apoio incondicional. A crise política tem produzido um visível afastamento entre governo e PT. O governo tenta descolar-se do grupo dirigente que tornou-se o epicentro de denúncias de corrupção e tráfico de influência. Os grupos de oposição ao Campo Majoritário - comandado por José Dirceu e que viabilizou a eleição de Lula à presidência - também querem se livrar dos denunciados. Afastando Dirceu, Lula reforçou o poder do ministro da Fazenda, Antonio Palocci. Em confronto com o grupo de Dirceu no partido, no entanto, ganham força os grupos de esquerda que são visceralmente contrários à política econômica conservadora do ministro. Os dois movimentos simultâneos têm o poder de isolar ainda mais Lula politicamente. Há evidências, portanto, de que o governo não vai garantir a governabilidade negociando partidariamente. Não existe clima para isso e os partidos são basicamente os mesmos que estão envolvidos até o pescoço, junto com o PT, nas denúncias de irregularidades. Talvez fosse o momento de o presidente Lula tentar compor um ministério com pessoas que se situem acima dos partidos e sejam respeitadas pela sociedade. Não se tenha ilusões: daqui para a frente, o governo terá que negociar com o Congresso, de forma transparente e clara, cada medida que precisar de apoio parlamentar. Teriam mais autoridade para negociar ministros reconhecidos por sua capacidade técnica ou com atuação respeitada pela sociedade. Pessoas que estivessem acima da crise de confiança que atinge todo o sistema partidário brasileiro.