Título: Brasil tenta ganhar terreno em servi
Autor: Ricardo Cesar
Fonte: Valor Econômico, 08/07/2005, Empresas, p. B3

Competitividade Embora distante de rivais como a Índia, país começa a atrair investimentos internacionais

Tudo tem cheiro de novo. Passos rápidos, o espanhol Juan Fernandez Oliva, diretor-geral da IBM para a América Latina, caminha pelas dependências da recém-estabelecida sede regional da companhia. Já foi em Coral Gables, na Flórida. Em junho, mudou para São Paulo. No mesmo mês, a Satyam, uma das maiores empresas indianas de serviços de tecnologia, abriu uma subsidiária brasileira. Pouco antes, a americana EDS inaugurou uma fábrica de software em Araraquara, no interior paulista, com a presença do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Em Brasília, o ministro do Desenvolvimento, Luiz Fernando Furlan, reuniu-se recentemente com executivos de 30 multinacionais presentes no país. A um observador menos atento, pode parecer uma série de eventos sem correlação. Mas há um mesmo fenômeno por trás de todas essas movimentações ocorridas nos últimos meses. Designado em qualquer lugar do mundo por um punhado de termos em inglês - "global sourcing", "offshore outsourcing", "global shared service centers" -, trata-se, grosso modo, da estratégia de companhias transnacionais de alocar porções de suas estruturas e serviços de tecnologia em países que reúnem baixo custo e competência técnica. Um mercado avaliado em cerca de US$ 25 bilhões mundialmente e, mais importante, que cresce a taxas generosas de 30% a 40% ao ano, sem sinal de arrefecer. Pelo contrário. Em 2010, segundo a consultoria Gartner, será seis vezes maior do que hoje - e ainda não estará maduro. Prova disso é que a terceirização de tecnologia como um todo já movimenta quase US$ 700 bilhões. Basta que uma parcela maior dos contratos seja enviada para países em desenvolvimento para a prática de "offshore" explodir. Diversas pesquisas indicam que isso está a ponto de acontecer. A lógica é simples: as empresas tornaram-se globais; logo, cada atividade deve ser acomodada onde faz mais sentido e não necessariamente nos países de origem das companhias - que costumam ser caros. É na tecnologia que essa tendência se verifica com mais força, mas outras áreas devem seguir o mesmo caminho para longe de casa. O leque de serviços candidatos a serem exportados vai de operação de call center a atividades administrativas, como rodar a folha de pagamento. Essa tendência disparou uma corrida entre países que querem se posicionar como um porto seguro para as multinacionais ancorarem suas estruturas de tecnologia. O Brasil está entre eles. Começou tarde, quase uma década depois da Índia, hoje o grande bicho-papão do desenvolvimento de sistemas e prestação de serviços de tecnologia "offshore". Enquanto os indianos exportaram algo próximo a US$ 12 bilhões em software e serviços correlatos em 2004, o Brasil vendeu menos de US$ 300 milhões. A meta do governo brasileiro é chegar a US$ 2 bilhões no fim de 2007; da Índia, é bater US$ 50 bilhões até 2010. Outros países, como Canadá, Rússia e China, também disputam os dólares e postos de trabalho que vêm junto com as estruturas de tecnologia das multinacionais. Recentemente, governo e empresários começaram a se mexer. "Esta é uma fase de acelerada terceirização de serviços. Teremos um crescimento exponencial nesse campo nos próximos anos", afirma Roberto Jaguaribe, secretário de tecnologia industrial do Ministério do Desenvolvimento. "Estamos trabalhando para que o Brasil fique apto a receber esses investimentos." Já há casos de empresas escolhendo o país. O exemplo mais recente veio do laboratório farmacêutico Bristol-Myers Squibb, que instalará em duas cidades brasileiras seu centro global de apoio na área de tecnologia da informação, com investimentos de US$ 28 milhões. Outro caso é a Rhodia, que está desenvolvendo e fará a manutenção de seu sistema de gestão empresarial para todas as Américas no Brasil, também com investimentos acima de US$ 20 milhões. São exemplos ainda pequenos. Mundialmente, não é raro os contratos serem de centenas de milhões de dólares e há exemplos que entraram no patamar de bilhões de dólares. Em parte, o interesse do governo é fruto do trabalho de um grupo de empresários nacionais do setor de tecnologia, que, no início de 2004, criou a Associação Brasileira das Empresas de Software e Serviços para Exportação (Brasscom). A entidade encomendou um levantamento das reais oportunidades do país à consultoria A.T. Kearney, que entregará os resultados em setembro. "Vamos apontar as vantagens e desvantagens do Brasil para concorrer no mercado de prestação de serviços offshore", diz Bruno Laskowsky, vice-presidente da consultoria. Entre os pontos positivos estão o fuso horário semelhante ao dos EUA, cultura ocidental e excelência em alguns setores, com destaque para sistemas financeiros. Já os gargalos incluem a escassez de profissionais com domínio de inglês, carência de certificados de qualidade em software e a falta de uma imagem consolidada nesse campo de atuação. Seriam necessários investimentos em marketing para divulgar que "o Brasil não tem só samba, carnaval e futebol", nas palavras de Antonio Carlos Rego Gil, presidente da Brasscom e principal executivo da integradora brasileira CPM. O desafio, avalia Greg Blount, diretor da TPI, uma consultoria especializada em desenvolver estratégias de alocação de recursos para grandes empresas, é que as multinacionais não pensam no Brasil como um destino para terceirizações. "As companhias ainda investem no país apenas por causa do mercado interno", diz. Carlos Henrique Testolini, diretor-executivo da Procwork, fornecedora nacional especializada em serviços de tecnologia, sentiu isso na pele. "Você compraria um carro feito em Madagascar?", questiona, explicando porque sua investida para vender desenvolvimento de sistemas nos EUA em 2003 fracassou. "O Brasil não tem grife para software. Quebramos a cara." A Procwork aprendeu e agora está encontrando uma forma de driblar o problema. A empresa tem alocado profissionais nas grandes consultorias internacionais - que, por serem conhecidas, conseguem os melhores contratos globais. Só na IBM, foram cerca de 600 programadores, garante Testolini. Apesar de sair com atraso, analistas reconhecem que há espaço para o Brasil. "As empresas não querem ficar dependentes da Índia e estão buscando uma rede de cinco ou seis países para alocar seus serviços. O Brasil tem a real oportunidade de ser considerado uma geografia estratégica", diz Rudy Puryear, líder mundial de alocação de recursos da consultoria Bain & Co. O processo de "offshore" ocorre de três formas: fechando contrato de terceirização com empresas de países mais baratos, estabelecendo subsidiárias nesses locais ou terceirizando para uma consultoria internacional, como Accenture ou IBM Consulting, que se compromete a prestar os serviços a partir de suas subsidiárias. Essas consultorias criaram centros de arbitragem em suas matrizes para avaliar, contrato a contrato, qual o melhor destino para as estruturas de tecnologia de seus clientes. Foi o que aconteceu com a BearingPoint, cuja operação brasileira acaba de ser incluída na rede internacional de prestação de serviços da consultoria, do qual já fazem parte China, Índia, Espanha e EUA. "É uma janela de oportunidade. O jogo está sendo definido", afirma Laskowsky, da A.T. Kearney. "Esta é a hora de o Brasil se posicionar." Tudo tem cheiro de novo nesse mercado.