Título: Estrangeiras desembarcam na Bove
Autor: Carolina Mandl e Vanessa Adachi
Fonte: Valor Econômico, 11/07/2005, Empresas, p. B3

Mercado de capitais A portuguesa Energias do Brasil e a espanhola OHL buscam recursos para financiar expansão

Duas ofertas de ações que serão concluídas nesta semana e que podem superar R$ 1 bilhão representam um marco para o mercado de ações brasileiro. A elétrica Energias do Brasil, de capital português, fecha amanhã o preço de suas ações e desembarca no pregão da Bovespa na quarta. A concessionária de rodovias OHL, de origem espanhola, fixa o preço do seu papel na quarta e chega à bolsa na sexta, dia 15. Nos dois casos, companhias de capital estrangeiro usarão o mercado acionário local para levantar recursos e financiar sua expansão. A Energias pode captar cerca de R$ 600 milhões em dinheiro novo e a OHL, até R$ 165 milhões. A espanhola aproveitará ainda para dar liquidez a parte do investimento feito no país, vendendo uma fatia de suas ações (outros cerca de R$ 500 milhões). "Há outras operações semelhantes a caminho da bolsa", diz Rubens Cavalieri, diretor de finanças corporativas do Unibanco, sem citar nomes e também sem comentar a operação da OHL, coordenada pelo banco. Em sua avaliação, são as concessionárias de serviços públicos as empresas que mais se encaixam nesse novo grupo. Assim como fizeram Energias do Brasil e OHL numa etapa anterior, a também espanhola Endesa, do setor elétrico, está reorganizando suas empresas no Brasil, como Coelce e Cerj, sob uma holding. Marcelo Llévenes, presidente da Endesa, confirma que o objetivo é dar mais visibilidade aos ativos e dar ao grupo um tamanho que permita uma emissão de ações. Até o fim do ano, a empresa quer lançar ações no Novo Mercado para captar recursos e poder participar do leilão de energia nova. "Com a consolidação do mercado acionário brasileiro, ele tornou-se uma opção real de financiamento para os grupos estrangeiros", diz Cavalieri. "Muitos já colocaram muito dinheiro no país e agora querem transformar a subsidiária brasileira num veículo que caminhe com as próprias pernas", completa Glenn Mallett, superintendente de mercado de capitais do Unibanco. Com isso, o controlador não amplia sua exposição no país, que é tido como um mercado volátil. Desde que participou do processo de privatização no Brasil, a Endesa já investiu US$ 4 bilhões, sendo que US$ 2,5 bilhões foram trazidos da Espanha, e o restante foi de geração de caixa. "Não queremos mais tomar empréstimos em dólares se a nossa receita é em reais", diz ele. Segundo ele, depois de receber os investimentos da matriz, a empresa já se estruturou e passou por fases difíceis, como a do racionamento e da desvalorização cambial. "As incertezas que tínhamos já se desfizeram, agora já podemos crescer sozinhos." Outra que pode usar o mercado de ações é a concessionária de energia Tractebel. Ela está transformando os seus três tipos de ações (ON, PNA e PNB) em papéis ordinários. O diretor financeiro da empresa, Marc Verstraete diz que, no futuro, a empresa, subsidiária do grupo francês Suez, poderá ingressar no Novo Mercado. Hoje, ela tem apenas 12% de ações em circulação. "Mas agora não há necessidade de a empresa captar recursos para se financiar porque ela já gera recursos suficientes para isso." Maria Helena Santana, superintendente de relações com empresas da Bovespa, lembra que no passado, estrangeiras como Pirelli, Saint Gobain e Eletrolux já acessaram a bolsa. Mas, com o período de baixa que o mercado de capitais enfrentou, preferiram recomprar suas ações. Agora, Santana avalia que o retorno dos grupos estrangeiros à bolsa mostra uma maior maturidade e evolução do mercado acionário brasileiro. Ela concorda com a idéia de que o movimento será mesmo de concessionárias de serviços públicos. "É positivo para elas ter acionistas minoritários cobrando resultados, e não apenas usuários reclamando do preço da tarifa." Rubens Cavalieri destaca ainda um outro aspecto desse movimento. "Para grupos que pretendem ser consolidadores em seus setores, é importante ter ações líquidas na bolsa porque cria a possibilidade de fazer troca de ações em futuras aquisições ou fusões." Quanto ao uso do mercado de ações para saída total ou parcial do investimento, um executivo de um banco lembra que o câmbio tem sido um grande incentivo. "Com o real tão forte, grupos estrangeiros que passaram por maus bocados depois da desvalorização aproveitam a oportunidade", diz ele. Além da OHL, o banco alemão Commerzbank e o italiano BNL usaram a bolsa para sair do capital do Unibanco no início deste ano, passo que agora será seguido pelo português Caixa Geral de Depósitos. A americana J.C. Penney também acaba de vender a totalidade do capital da Lojas Renner de forma pulverizada. No caso da Energias do Brasil, o controlador português, a EDP, não venderá parte de suas ações. Ao contrário, comprará mais. Simultaneamente à oferta pública de novas ações, transformará uma dívida de R$ 670 milhões em capital. A holding Energias foi criada neste ano, fruto do agrupamento de Bandeirante (SP), Escelsa (ES) e Enersul (MS). É a holding que agora lançará ações. O mesmo aconteceu com a OHL, que reuniu sob a holding que abrirá o capital os negócios das concessionárias Intervias, Autovias e Centrovias. Com isso, os grupos buscam dar maior transparência aos seus negócios no país. Querem, com isso, que os novos sócios minoritários tenham uma boa percepção de suas atividades, o que tende a se refletir no preço da ação.