Título: Mudança corajosa ou conformismo med
Autor: Antonio Delfim Netto
Fonte: Valor Econômico, 12/07/2005, Brasil, p. A2

A economia brasileira encontra-se numa verdadeira armadilha. Nos últimos dez anos, cresceu em média 2,3% ao ano, com uma enorme variância: 0,1% em 1998 e 4,9% em 2004! Depois da brilhante vitória contra a inflação durante o período de câmbio administrado (pela maior taxa de juro real do mundo), quando ela atingiu 1,7% em 1998, o IPCA anual, que é o instrumento medidor da "meta", chegou a 12,5% em 2002, tendo convergido a partir daí para 9,3% em 2003 e 7,6% em 2004. Curiosamente, a taxa de inflação anual tem flutuado (quase aleatoriamente) em torno da média de 7,2% nos últimos 77 meses. A vulnerabilidade externa da economia diminuiu muito graças à expansão das exportações a partir de 2002 devido, de um lado, à liberação do câmbio e, de outro, às facilidades de crédito barato construídas para o setor. A política monetária, que elevou a taxa de juro real a 13% ao ano para combater a inflação, tem obtido algum resultado (provavelmente passageiro) pela excessiva valorização do real e pela redução do nível de atividade que está produzindo. Em condições normais de pressão e temperatura, o real deveria sofrer alguma valorização pelos ganhos de produtividade do setor industrial que a relativa abertura econômica propiciou, e pela apropriação de nova tecnologia pelo setor agrícola. Mas isso, certamente, não transformaria o real na moeda mais valorizada do mundo frente ao dólar americano. Esse exagero vai cobrar o seu preço em termos de uma diminuição de investimento no setor exportador e vai reduzir, mais cedo ou mais tarde, nossa capacidade competitiva. O que nos espera neste sofrível 2005? Um miserável crescimento em torno de 3% e uma taxa de inflação em torno de 6%. A alegria é que, aparentemente, encerrou-se o ciclo de alta de juros... Vamos (talvez com uma curta interrupção), reiniciar o caminho de volta dos 19,75% de junho (taxa de juro real de 13% com a expectativa de inflação dos próximos 12 meses de 6,0%) para 18,25%, em dezembro de 2005 (quando a expectativa de inflação para os 12 meses seguintes será da ordem de 4,5%), o que significa a mesma taxa de juro real de 13%! Até quando? Se acreditarmos nas "expectativas do mercado", ele espera uma taxa Selic para dezembro de 2006 da ordem de 17% (com uma inflação para os próximos 12 meses de 4,5%), o que implica taxa de juros real de 12%, igualmente devoradora do "espírito animal" dos empresários e inibidora dos investimentos.

'Stop and go' dos últimos 20 anos ainda nos ameaça

Mas a coisa não é tão simples. A "redução" inflacionária foi altamente influenciada pela excessiva valorização da taxa de câmbio. Não é possível saber qual a taxa cambial capaz de manter a expansão anual das exportações em 20% ao ano, que é o que precisamos para atingir US$ 190 bilhões de exportação anual em meados de 2008 (com US$ 170/180 bilhões de importações) e com um bom aumento das reservas para reduzir dramaticamente a volatilidade da taxa cambial. É pouco provável, entretanto, que ela seja muito diferente de US$ 2,85/2,90. Isso significa que parte do ganho produzido pela valorização cambial sobre a taxa de inflação será devolvida nos próximos 18 meses. Um segundo fator que poderá criar algum embaraço às expectativas inflacionárias reside na resposta do setor agrícola às vicissitudes da safra 2004/2005, que deverá ser menor do que a anterior. O ponto importante é saber como reagirá o setor ao plano de safra de 2005/06 diante da descapitalização e aumento do endividamento produzidos este ano. A dimensão do "tratoraço" que assistimos em Brasília revelou uma indignação incomum, mesmo para os que têm alguma experiência com o setor. O governo deveria prestar mais atenção ao processo e estimular o plantio, para manter os estoques de passagem no nível que garanta a estabilidade dos preços no final da safra. Um terceiro fator que pode perturbar as expectativas inflacionárias é a manutenção dos atuais preços do petróleo, pois em algum momento os altos preços em dólares e a recuperação cambial vão pressionar os preços internos. O que se vê é que não existe nenhuma garantia que a taxa de juro real possa baixar mais fortemente no futuro próximo. Pior, é muito possível que, iniciada a baixa, algum fenômeno superveniente, como os apontados acima, venha a interromper tal movimento. Continuamos, portanto, ameaçados pelo "stop and go" dos últimos 20 anos! Não há perspectiva de um crescimento robusto e continuado sem uma mudança radical, mas crível, no "mix" da nossa política econômica. A escolha é clara: ou fazemos uma mudança corajosa e inteligente, ou vamos prosseguir no mesmo conformismo covarde e medíocre dos últimos dez anos.