Título: Agenda de Valério é retrato falado da crise
Autor: Raymundo Costa
Fonte: Valor Econômico, 12/07/2005, Política, p. A4

Casuísta na origem, a discussão sobre o fim da reeleição entrou na ordem do dia do Congresso pela porta dos fundos: como pirotecnia para desgastar ainda mais o governo Lula, talvez até forçar o presidente a renunciar a um eventual segundo mandato, mas também por motivações de natureza marcadamente regional. Não por acaso um dos patronos da proposta é o senador Antonio Carlos Magalhães (PFL), cujo afilhado que ajudou a eleger para o governo da Bahia - Paulo Souto - teima em não aceitar o cabresto. Não importa o que diga a oposição, discutir o fim da reeleição já a partir de 2006 é golpe. É mudar a regra no meio do jogo. Só o presidente Luiz Inácio Lula da Silva é senhor da decisão de concorrer ou não a um segundo mandato nas eleições do próximo ano. Diferente é o debate para 2010. O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, por exemplo, acha que a reeleição ainda é uma experiência muito recente e é preciso tempo para ser mais bem avaliada. Outro tucano, José Serra, era contrário em 1997 e se opõe agora ao fim da reeleição em 2006. A discussão está aberta. É evidente que a atual crise tem causas estruturais que podem e devem ser combatidas pela reforma política. Mas sem dúvida alguma a reeleição serviu para agravá-las. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso teve o escândalo da compra dos votos para aprovar a emenda que lhe permitiu concorrer a um mandato novinho em folha, que ao final percebeu não ser tão novo assim. Lula naufragou nos "mensalões" e nos esquemas para a manutenção do poder montados pelo PT nas estatais. Os tucanos tinham um projeto de 20 anos no poder, vocalizado pelo todo poderoso ministro Sérgio Motta, morto em 1997. O PT não quis deixar por menos. Para não dividir o poder, recorreu aos partidos de aluguel como linha auxiliar para compor uma instável maioria congressual. Afinal, por motivos "éticos", não podia inchar a própria legenda, como Serjão fez com o PSDB. Os números são claros e evidenciam a necessidade da adoção da cláusula de barreira e da fidelidade partidária na reforma política: o PTB elegeu 26 deputados, tinha 41 já na posse e hoje está com 45, depois de já ter beirado os 52. PL e PP tiveram evolução parecida. O "exército de mercenários" a que se refere o deputado Roberto Jefferson.

Contagem regressiva para a reeleição

A reeleição não é um projeto só do presidente da República, é um projeto de toda a estrutura administrativa, de toda a atividade empresarial a qual o governo está ligado - e que se amplia no poder - e, no caso em questão, de um partido que tinha pretensões hegemônicas. A agenda multipartidária e multisetorial do empresário Marcos Valério é um retrato falado da crise. Sem o fundo público para o financiamento de campanhas - outro item da reforma -, o que haverá é a manutenção dessa relação promíscua. É certo que ela já ocorria antes da possibilidade da reeleição, mas foi potencializada depois dela. Trata-se de um tema nada popular, difícil para a opinião pública compreender num momento em que o Congresso chafurda no mensalão. Mas como bem dizia o ex-ministro Sepúlveda Pertence, quando presidia o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), é um sistema econômico na medida em que "o financiamento privado é um investimento que se remunera a custa da corrupção". Em resumo, é maior o prejuízo para os cofres públicos, de vez que o empresário investe pela expectativa de vir a ter ganhos no governo. Em relação ao eleitorado de 2002, o financiamento público sairia por algo em torno de R$ 810 milhões. Dinheiro do Orçamento, do contribuinte. O especialista Roberto Jefferson é cético e diz que começará com R$ 1 bilhão e logo depois estará em R$ 2 bilhões. Talvez seja comparar laranja com melancia, mas é curioso observar que, só pelas contas bancárias de Marcos Valério, cujo dedo duro em riste de Jefferson aponta como o operador do mensalão, passaram mais de R$ 1 bilhão. O fundamental é que sejam criados instrumentos para uma fiscalização ampliada e estruturada. A legislação deve permitir mais agilidade à Justiça Eleitoral. O governador do Pará, por exemplo, já caminha para o fim de seu segundo mandato sem que os tribunais tenham emitido parecer definitivo sobre as acusações de abuso do poder econômico, por parte do tucano, nas últimas eleições. A situação é de tal gravidade que exige algo novo. Assim como o governo de Lula precisa de um choque de gestão, o país precisa de um choque na política. Sem casuísmos nem tentativas pequenas de rasteiras eleitorais. Quem fez compra de