Título: Em véspera de furação, país teme ventos mais fortes
Autor: Miguel Reale Júnior
Fonte: Valor Econômico, 12/07/2005, Opinião, p. A8

Há um imenso suspense no ar. A sensação é de que a qualquer momento possamos ser atingidos por um furacão. Os ventos prenunciam pioras no clima, com novidades e revelações perigosas a cada dia. E por que esse sentimento de zonas de alta pressão com ventos de grande velocidade? Em razão dos indícios que já se formam no sentido da veracidade do mensalão. Mas o que são indícios? Os indícios são elementos conhecidos da realidade a partir dos quais, segundo a lógica e a experiência, alcança-se fato não conhecido diretamente. Assim, é indício o sinal ou rastro devidamente provado "suscetível de conduzir ao conhecimento de um fato desconhecido". A partir de fatos certos, pela lógica e pelo bom senso chega-se de forma unívoca a uma realidade não provada. De um sabido dado objetivo passa-se a um outro que se deduz, mesmo porque o fato conhecido não se explica razoavelmente de outra maneira a não ser pela ligação com o fato deduzido. O valor da prova indiciária está na razão direta de sua quantidade, no caráter unívoco e convergente dos indícios e também pela inexistência de elementos que conduzam à negativa do fato deduzido. Os indícios são graves se formam um encadeamento lógico e harmonioso, e provam ainda mais se os indigitados autores procurarem negar os fatos sabidos com versões insustentáveis que depois se verifica serem mentiras. A denúncia do deputado Roberto Jefferson de início parecia fantástica, mas rapidamente vieram se somando circunstâncias indicativas de haver, além de um fundo de verdade, uma realidade palpável. A presença de Marcos Valério por diversas vezes na sede do PT em Brasília, em ministérios e no Palácio do Planalto, na Casa Civil da presidência, demonstram a sua intimidade com o governo e o partido. A declaração da secretária Fernanda Karina Somaggio de que o publicitário Marcos Valério era o trem pagador do mensalão, com maços de dinheiro do Banco Rural, se fez verossímil pelos saques em dinheiro de uma agência desse banco. Os encontros com Delúbio Soares, o tesoureiro do PT, vieram depois a se confirmar. Igualmente constatou-se a informação de que o publicitário pagara passagens ao Rio de Janeiro para secretária do deputado João Paulo, então presidente da Câmara dos Deputados. Verdade incontestável são os inexplicáveis saques em valor elevado, cerca de R$ 20 milhões, em dinheiro, das agências do Banco Rural, seguidos da declaração mentirosa de Marco Valério de se destinar o numerário à compra de gado, fato depois desmentido por ele mesmo. O uso de quantias elevadas em dinheiro apenas se justifica para pagamentos ilícitos, por fora, pois não há hoje quem licitamente receba ou transporte quantias elevadas em dinheiro vivo. A comprovação das reservas de suítes em hotéis, com a presença, nessas reuniões, de membros do PT e de assessores de parlamentares, corrobora as declarações da secretária de Marco Valério, cuja agenda indica hora e local dessas reuniões. É significativa a verificação de que os saques ocorriam em agência do Banco Rural de um shopping de Brasília, freqüentada por Marco Valério e por assessores parlamentares em dias do levantamento das importâncias. Todos os dados conduzem e unem logicamente os saques de dinheiro vivo das contas das empresas de Marco Valério ao mensalão.

Altas quantias em espécie servem a pagamentos ilícitos; não há outra razão para levar tanto dinheiro vivo

A coincidência entre as datas anotadas na agenda da secretária de Marco Valério sobre reuniões dele em hotéis em Brasília e as datas dos saques corrobora a hipótese de que os mesmos tinham por destino o mensalão. Essa elevada desconfiança aumenta ao se constatar que saques, datas de reuniões em Brasília e a ida de assessores à agência do Banco Rural no shopping coincidem com véspera de votações importantes na Câmara. Mas outros elementos vêm a reforçar o todo já coerente e harmonioso: o aval prestado por Marco Valério em empréstimo concedido ao PT pelo BMG, e do qual o publicitário pagou parte, sendo signatários do empréstimo Genoino e Delúbio, o que desmente serem as relações meramente de amizade com Delúbio, sendo indício veemente a negativa inicial de Marco Valério de ter sido avalista. Revelador é o fato de Marco Valério acompanhar diretores do BMG, dias depois do empréstimo, a uma reunião com então chefe do gabinete civil, José Dirceu. O BMG tornou-se grande beneficiário de operações de fundos de pensão. Marco Valério de um lado promoveu o churrasco da campanha do candidato do PT à presidência da Câmara, de outro intermediou a obtenção de cargos para deputados de prestígio, como José Borba, depois líder do PMDB. Como se explica tanta intimidade e força? A ocupação do governo pelo PT deu-se pela disseminação dos companheiros no aparelho de Estado, de forma a dominá-lo inteiramente, visando a que o poder não viesse a ser alcançado por outros partidos. Para tanto, era necessário ter uma base congressual sem compartilhar o poder, só viável por meio de um contrato ilícito de compra e venda, com parlamentares de outros partidos, sujeito à lei do silêncio. Apenas essa estratégia, assinalada por Roberto Jefferson na CPI, explica a força de Marco Valério e o mensalão, cuja lógica era não dar cargos, mas comprar apoio. Os dados conhecidos apenas se explicam pela mecânica do mensalão, pois não são verossímeis as outras explicações para os saques nas datas ocorridas, para as reuniões com lideranças partidárias ou seus assessores nas mesmas datas, para a presença do publicitário, avalista do partido, no palácio do governo, nos ministérios e estatais, bem como o seu prestígio para conseguir nomear servidores. Ao se juntar os rastros, o todo formado univocamente leva à conclusão de fato não diretamente conhecido: o mensalão, como estratégia para ter maioria na Câmara sem compartilhar poder. Uma pergunta está no ar: seria possível que nada soubesse o presidente da República sobre a forma como se conseguiam maiorias nas votações vitais para o governo? Daí o clima de véspera de furacão a deixar todos temerosos, sob a expectativa de novas denúncias e quebras de sigilos bancários e telefônicos.