Título: Provocando um desastre evitável
Autor: Bradford DeLong
Fonte: Valor Econômico, 12/07/2005, Opinião, p. A9

Talvez seja excessivo nervosismo, ou talvez conseqüência da volatilidade financeira mundial nos últimos anos - as crises no México em 1994-1995, no Leste Asiático em 1997-1998, na Rússia em 1998 e, por fim, no Brasil, Turquia e Argentina - mas nós, economistas, estamos mais preocupados com questões monetárias e possíveis futuros desastres do que estivemos em muitas décadas. Neste mês, o Banco para Compensações Internacionais (BIS), com sede na Suíça, foi a mais recente autoridade a manifestar sua preocupação com os riscos financeiros que o mundo parece estar acumulando para seu futuro. "Todos os países atingidos por crises financeiras (...) sofreram um desaquecimento econômico muito forte", diz o BIS sobre o passado recente. O banco então cita os "desequilíbrios mundiais em conta corrente", especialmente "o déficit externo dos EUA", qualificando como "sem precedentes que um país cuja moeda seja reserva cambial internacional tenha um déficit em conta corrente de tal magnitude". Em suma, o mundo tornou-se "cada vez mais sujeito a turbulências financeiras". O BIS sugere a possibilidade de uma crise financeira que, com os EUA em seu centro, superaria em pelo menos uma ordem de grandeza todas as crises ocorridas desde 1933. Entretanto, em resposta a esse risco o BIS oferece as recomendações clássicas. Os países cujas políticas e economias estão em desequilíbrio deveriam mudar suas políticas, restabelecendo, dessa forma, o equilíbrio: "Países deficitários deveriam reduzir a taxa de crescimento dos gastos domésticos para abaixo da taxa de produção doméstica. Permitir a desvalorização de suas moedas em termos reais tornaria seus produtos mais competitivos, e também se constituiria em incentivo para uma redução na produção de itens não-comerciáveis e crescimento na produção de comerciáveis". Essa é a maneira educada de os economistas passarem o recado de que os EUA precisam gradualmente reduzir seu déficit orçamentário, ao passo que outros países - como a China e o Japão - deveriam permitir a desvalorização gradual do dólar e a valorização de suas próprias moedas. Assim sendo, as propostas do BIS não trazem muita novidade, nem têm muito que chame a atenção. Se examinarmos a atitude do governo americano, contudo, veremos uma enorme convicção de que o déficit orçamentário corrente não é problema. Nas palavras de Stan Collender, um respeitado analista que acompanha a evolução do orçamento federal americano: "Ninguém com responsabilidades sobre o orçamento federal parece efetivamente interessado na questão orçamentária". Isso "não se deve ao fato de as comissões de orçamento estarem muito atarefadas (...). A Câmara e o Senado (...) não estão fazendo coisa alguma (...) [porque] não querem". No governo Bush, o diretor do Birô de Administração e Orçamento, Josh Bolten, "tem se mostrado praticamente invisível", ao passo que "o presidente e o vice-presidente (...) evitam falar publicamente sobre o orçamento".

BIS sugere a possibilidade de uma crise financeira que, com os EUA em seu centro, superaria todas as crises ocorridas desde 1933

Sejamos claros sobre este ponto: não se trata de que os políticos que querem tomar iniciativas de consolidação fiscal não estejam avançando nessa questão; a realidade é que não há quaisquer políticos - pelo menos nenhum deles com influência na definição de agendas - que sequer estejam tentando direcionar os EUA rumo à adoção de uma política fiscal mais responsável. Essa é uma falha grotesca de liderança. Governos que executam políticas - seja a frouxidão fiscal americana ou a ancoragem cambial chinesa - que criam desequilíbrios insustentáveis assim procedem em conseqüência do que consideram ser razões políticas importantes. Apelos para que modifiquem suas políticas, e assim contribuam para o bem mundial coletivo de estabilidade financeira, são infrutíferos, a menos que vejam outros países modificar suas políticas, agir com responsabilidade e, assim, também contribuir para o bem coletivo. A coordenação internacional de políticas exige um líder, alguém que assuma a iniciativa. Entretanto, embora os EUA, como maior economia do mundo, seja a nação mais apropriada para esse papel, até agora os americanos não desempenharam sua função. John Snow, secretário do Tesouro dos EUA, dedicou quase nenhum tempo público ao orçamento, porém muito tempo em público falando da China. Os operadores políticos republicanos importam-se muito menos com a poupança nacional do que com perdas de empregos na indústria de transformação. "Então, o que há de novo?", poderá indagar o leitor - e com boa razão. A lista de tópicos sobre os quais o governo Bush não assumiu uma liderança é longa, e a omissão em tomar as medidas para reduzir os riscos de uma catástrofe financeira futura não devem estar em alta prioridade. O governo Bush inteiro tem sido uma sucessão de fracassos de liderança, então por que reclamar sobre seu insatisfatório gerenciamento financeiro? De um ponto de vista puramente prático, uma razão é que garantir estabilidade financeira mundial é uma questão sobre a qual progressos concretos podem ser conseguidos com relativa facilidade. O governo Bush pode não se importar que a redução do déficit seja a política correta para os EUA, mas poderia importar-se muito mais se a questão fosse caracterizada como um pré-requisito para mudanças de políticas no exterior que reduzam as pressões das importações sobre o emprego na indústria de transformação doméstica.