Título: Risco-Brasil encosta no argentino
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Fonte: Valor Econômico, 12/07/2005, Finanças, p. C1
SÃO PAULO - A Argentina ainda negocia com o Fundo Monetário Internacional e mal acabou de finalizar a complexa troca de títulos de sua dívida externa que pôs fim a uma das mais longas moratórias da história. Mas o seu risco-país já está encostado no risco-Brasil, país que teve constante melhoria de " fundamentos econômicos " nos últimos três anos na visão dos próprios analistas do mercado financeiro. Ontem o risco-Argentina caiu mais 0,95%, ficando em 416 pontos básicos, apenas seis pontos acima do risco-Brasil, que ficou em 410 pontos.
Há uma razão técnica para explicar o que é aparentemente inexplicável, segundo John Welch, analista da Lehman Brothers. O Discount, o título emitido em junho como parte da reestruturação da dívida do país vizinho, tem uma garantia por parte do governo argentino de que se o PIB (Produto Interno Bruto) crescer mais do que uma meta de 3,5% neste ano e de cerca de 3% na média anual nos próximos anos e chegar a um nível determinado o investidor vai receber mais na hora do pagamento dos juros. O governo se comprometeu a destinar 5% do valor em pesos do total do PIB que ultrapassar os 3% de expansão. Assim se a meta for de 300 bilhões de pesos e o PIB atingir 310 bilhões, o dinheiro correspondente ao pagamento será de 500 milhões de pesos.
Mas o cálculo para o pagamento dos bônus não considera o desempenho econômico anual de maneira isolada. Se a economia ficar estagnada em um ano determinado, por exemplo, os detentores do papel só recebem algum tipo de rendimento extra no ano seguinte se o crescimento do PIB for maior que 6%.
" Os investidores perceberam que existia essa garantia e que o PIB da Argentina vai crescer bem mais do que se esperava inicialmente " , afirmou Welch. Segundo ele, houve uma verdadeira " euforia " no mercado internacional com a Argentina, pois todos passaram a apostar que esse pagamento a mais vai acontecer e em valores significativos. Na Argentina, as estimativas são de crescimento de 6,5% a 7% do PIB neste ano.
As discussões em andamento entre a Argentina e o FMI não preocupam os investidores, segundo Welch. É verdade que a Argentina desafiou o Fundo e assustou banqueiros, mas os analistas apostam que o país vizinho vá conseguir bons termos na negociação e não terá de captar recursos no mercado internacional por cerca de cinco anos, mantendo reduzida a oferta de papéis que já tiveram seu valor de face reduzido em mais de 30% na reestruturação.
" A Argentina não tem muitos pagamentos para realizar nos próximos anos e a possibilidade de uma nova moratória é mínima " , afirmou Welch. Os rendimentos futuros para quem comprar um papel argentino hoje parecem promissores e os riscos parecem reduzidos.
A lei de controle de capitais dificulta a participação do investidor internacional no mercado interno da Argentina, na compra de bônus em pesos, e não resta alternativa atraente aos interessados em comprar bônus argentinos que não seja comprar os papéis da dívida externa, com destaque para o Discount e o Bodan 12, os mais negociados, conta Ricardo Simone Pereira, diretor do Multi Commercial Bank.
Ele acrescenta que as compras constantes de dólar que o Banco Central argentino faz no mercado de câmbio para manter as cotações estáveis nos níveis de 2,90 e 3,00 pesos por dólar ajudam a recompor as reservas internacionais do país, o caixa em moeda forte, em um ritmo rápido.
O risco-Argentina chegou a ultrapassar 6.000 pontos básicos antes da moratória. Quando foi recalculado pelo JP Morgan com os títulos da dívida reestruturada foi para 794 pontos básicos no dia 13 de junho, subindo para 906 pontos e ficando em torno disso até despencar, no dia 30, para perto dos 450 pontos básicos. O risco-Brasil se manteve desde o dia 13 de junho entre a mínima de 401 pontos básicos e a máxima de 426 pontos básicos.