Título: Lula vai a festa em Paris e assina acordo para atrair investimentos
Autor: Raymundo Costa
Fonte: Valor Econômico, 13/07/2005, Brasil, p. A3

Relações externas Franceses participarão do programa de desenvolvimento do biodiesel

No momento em que atravessa sua pior crise política, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva desembarca nesta madrugada em Paris para três dias de festa e celebração. Seu anfitrião, o presidente Jacques Chirac, também enfrenta dificuldades por causa do relacionamento pouco ortodoxo de seu partido - a União para o Movimento Popular - com a máquina governamental. O ponto alto das festividades será o desfile de 14 de julho, data nacional da França, que juntará Chirac e Lula no mesmo palanque, e terá a apresentação de tropas brasileiras e da Esquadrilha da Fumaça - honraria antes só concedida a ingleses, alemães e marroquinos. Lula chega a Paris também no momento em que a assembléia da Organização das Nações Unidas começou formalmente o debate sobre a reformulação do Conselho Permanente de Segurança da ONU. A França considera a reivindicação de participar no conselho permanente "uma ambição legítima", segundo fontes credenciadas, e é o único país entre os que integram o organismo a apoiar abertamente a posição brasileira. Se a discussão na ONU ainda não está madura o suficiente para dar uma boa notícia ao presidente brasileiro, Lula poderá comemorar uma boa notícia em relação à maré baixa de seu governo: o grupo de trabalho encarregado de discutir sua proposta de criação de um fundo internacional de combate à pobreza concluiu as discussões com uma proposta concreta - a cobrança, voluntária, de uma taxa sobre passagens aéreas emitidas em todo o mundo para a criação do fundo. Com a cobrança de US$ 4 sobre passagens internacionais, e de US$ 1 sobre as domésticas, seria possível arrecadar cerca de R$ 10 bilhões ao ano, segundo as projeções do grupo de trabalho. Do ponto de vista dos franceses, a chave do relacionamento Brasil-França hoje são os investimentos. A França é o quarto maior investidor estrangeiro no país, algo em torno de US$ 12 bilhões - 8% dos investimentos externos no Brasil são franceses, cujas empresas empregam 400 mil brasileiros. O almoço no Bois de Bologne deve ser mais uma celebração - não é prevista a assinatura de acordos, fechamento de negócios ou o anúncios de grandes investimentos. É prevista a assinatura de cinco acordos, sendo que um deles pode levar à intensificação de investimentos franceses no país - o acordo para desenvolvimento de mecanismos de energia limpa. Na prática, isso significa que os franceses investem no programa brasileiro de biodiesel, entre outros, em troca da redução da cota de emissão de gás carbônico estabelecida e acordada nos termos do protocolo de Kyoto. Serão assinados ainda quatro acordos nas áreas militar, cultural, além da compra, pelo Brasil, de 12 aviões Mirage usados, ao preço de US$ 50 milhões. Entre os acordos previstos está a construção de ponte sobre o rio Oiapoque, na fronteira do Brasil com a Guiana, objeto de negociações entre Brasil e França desde o governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Outro se refere à cooperação militar na área aeronáutica. Há também um protocolo de intenções na área de nanotecnologia. A ministra Dilma Roussef (Casa Civil) não embarcou com Lula, mas deve chegar nas próximas horas - Brasil e França pretendem avançar em termos de cooperação na área da energia nuclear, assunto que estava congelado na pauta entre os países. Congeladas também estão as discussões sobre a proteção de investimentos, uma negociação que também começou e saiu da agenda com Fernando Henrique. A França ainda tem interesse em discutir esse acordo, mas, por enquanto, integrantes do governo francês afirmam que estão satisfeito com o ambiente jurídico no país, com o cumprimento efetivo de contratos, apesar da crise política, cujo desenvolvimento é acompanhado com atenção. Ao todo, seis ministros estarão com Lula em Paris. A crise política no Brasil tirou os políticos da comitiva de Lula. O senador Aloizio Mercadante (PT-SP), líder do governo no Senado, ficou para acompanhar os desdobramentos das CPIs. O ministro Tarso Genro (Educação), que não era esperado, embarcou no avião presidencial, provavelmente, segundo as especulações do verão parisiense, para discutir a intervenção no comando do PT. A presença do ministro Luiz Dulci (Secretaria Geral da Presidência) na comitiva se justifica pelo compromisso de Lula, hoje de manhã na Sorbonne, no Fórum Franco-Brasileiro da Sociedade Civil, que discute "modelos de agricultura familiar e de desenvolvimento rural sustentável; direito à cidade e da função social da cidade; economia solidária e mecanismos de financiamento ao desenvolvimento e diplomacia não-governamental". É um palco de intelectuais e acadêmicos, no qual o presidente poderá testar seu prestígio - alto, no início do mandato - com a esquerda francesa. No plano puramente festivo, Lula participa do desfile militar em comemoração à data nacional francesa, amanhã, e em seguida vai à recepção oferecida por Chirac, no Palácio Eliseu. À noite, comparece ao espetáculo de fogos de artifício na torre Eiffel. Hoje, passa pelo show de artistas brasileiros, na praça da Bastilha - se apresentarão Gilberto Gil, Gal Costa, Lenine, Jorge Benjor, entre outros. A caminho do aeroporto, na sexta-feira, após café da manhã com o prefeito de Paris, Bertrand Delanoë, e almoço com Chirac, pára no Museu do Ar e do Espaço, em Le Bourget, para visitar cópia do 14 Bis. Para o sufoco que Lula enfrenta no Brasil, Paris é uma festa.