Título: Rumores e confusões marcam último dia da conferência
Autor: Assis Moreira
Fonte: Valor Econômico, 14/07/2005, Brasil, p. A4

O último dia da conferência de Dalian foi um desastre. Suspeitas, rumores e inabilidade diplomática juntaram-se às dificuldades persistentes da Rodada Doha. O ministro de Economia da Argentina, Roberto Lavagna, deflagrou a grande tensão do dia. Ao sair da reunião sobre produtos industriais, disse que houve "novo retrocesso" na agricultura: a União Européia voltara atrás no apoio à proposta do G-20 como base e apoiava resistências da Suíça. "Com esse retrocesso, não há nenhuma razão para flexibilizar nossa posição em produtos industriais", alegou. Imediatamente o burburinho propagou-se nos corredores. Os delegados consultados demonstravam surpresa. A comissária agrícola Marianne Fischer Boel resolveu dar uma coletiva para dizer que "os rumores são totalmente falsos, não sei como isso pode ter começado". Enquanto ela falava, o comissário Peter Mandelson praticamente a consolava, quase como dizendo que esse tipo de golpe era normal nas negociações. Boel disse que pela manhã simplesmente reiterara que a OMC deveria também enfocar com força o combate aos subsídios domésticos, visando aos EUA, e não apenas o corte de tarifas agrícolas. Enquanto isso, o ministro chinês do comércio, Bo Xilai, era submetido a pressões de toda parte sobre o seu texto com as conclusões da conferência. O dia inteiro os suíços quiseram mudar o documento. Ao meio-dia, os brasileiros o consideraram aceitável. Clodoaldo Hugueney ainda advertiu que se usassem certas frases, os chineses se dariam mal. Não deu outra. No começo da noite, quando Xilai começou a ler suas conclusões, veio o pesadelo. Ele acabou diluindo a única convergência (a proposta do G-20), num texto pesado em que aparecia mais o que continuava provocando divergências. Brasil e a União Européia reagiram irritados. Hugueney reclamou que Xilai tentou passar a idéia de que havia convergência sobre a fórmula suíça. Por sua vez, o comissário europeu, Peter Mandelson, reclamou da menção à abolição de subsídios à exportação até 2010. "Você acabou?", retrucou o chinês. "Sim, mas sempre volto", reagiu Mandelson. "Foi uma excelente reunião até o texto do ministro chinês aparecer", disse um delegado. Àquela altura, a delegação da Suíça, líder do protecionista G-10, já tinha abandonado a sala. O problema é que se a Suíça e o Japão forem isolados, eles serão empurrados para suas posições maximalistas e a negociação agrícola ficará bloqueada. Mas os japoneses indicaram que não estavam insatisfeitos: conseguiram retirar do texto a menção à proposta do G-20 de que a tarifa agrícola máxima deveria ser de 100% - os japoneses aplicam 774% no arroz importado. Para o Brasil, o teto é elemento central de sua proposta para frear a proteção tarifária. Para fechar a noite de horrores, o diretor-geral da OMC, Supachai Panitchpakdi, voltou a soltar críticas por todos os lados. Supachai esperava deixar sua marca com um acordo em julho, que seria a plataforma para Hong Kong. Está visivelmente frustrado. "Ele demorou para ter uma atitude mais afirmativa", disse um embaixador. No meio dos problemas multilaterais, havia ainda as dores de cabeça bilaterais. Mandelson e Marianne Boel não esconderam a surpresa com o anúncio da comissária Benita Waldmer no Brasil de que a UE quer concluir o acordo com o Mercosul em maio de 2004. "Ela disse isso?", reagiu a comissária agrícola. "Ela deve saber como negociar bem com o Brasil", reagiu um negociador europeu. (AM)